FOLHA DE SP - 06/11/11
A esta altura, Dilma terá de se comportar de modo a não comprometer o projeto de poder traçado pelo chefe
Não vejo razão para atribuir à presidente Dilma Rousseff o propósito deliberado de eliminar do governo os corruptos em nome do respeito à ética e ao interesse público.
Se é verdade que cinco de seus ministros deixaram o governo por essa razão, isso se deveu às denúncias trazidas a público pela imprensa (que os lulistas desejam calar), deixando a presidente numa saia justa: ou os demitia, ou se mostraria conivente com a corrupção.
Ainda assim, nenhuma medida tomou para puni-los e obrigá-los a devolver aos cofres públicos o dinheiro roubado.
Não o fez e não o faria em nenhuma hipótese, uma vez que isso só manteria esses escândalos no noticiário dos jornais e da televisão, ainda com o perigo de arrastar consigo muita gente mais, tanto do PT quanto dos partidos aliados.
E, pior ainda, deixaria cada vez mais evidente a responsabilidade do ex-presidente Lula, que nomeou aqueles ministros e os impôs à sua sucessora, fingindo ignorar o que cada partido fazia no ministério que recebera de presente.
Isso não quer dizer que a presidente Dilma aceite os "malfeitos". Estou certo de que não. De fato, não tem escolha, a menos que se disponha a romper com o esquema político montado por Lula, do qual ela é peça fundamental.
A esta altura, independentemente do que considere certo ou errado, terá de se comportar de modo a não comprometer o projeto de poder traçado pelo chefe. Quando um jornalista perguntou a ele se pretendia voltar à Presidência da República, em 2014, Lula respondeu: "Eles é que não podem voltar de jeito nenhum".
O desvio do dinheiro público para o cofre dos partidos ou para comprar o silêncio dos envolvidos na falcatrua havia se tornado norma no governo de Lula, que aparentava não saber de nada, mesmo porque esse era o novo meio de suborná-los, após o desastre do mensalão.
O caso recente do Ministério do Esporte deixou isso bem claro: o policial João Dias Ferreira, então membro do PC do B, ao mesmo tempo em que ajudava no desvio do dinheiro do ministério para o cofre do partido, valia-se disso para, por meio de ONGs, encher o seu próprio bolso. Impossível acreditar que o ex-ministro Orlando Silva -que foi secretário-executivo do ministro anterior- não soubesse dos "malfeitos" que beneficiavam seu próprio partido.
Mas isso não foi exclusividade do Ministério do Esporte, pois, como se sabe, com algumas variações, o mesmo esquema de corrupção funcionava nos ministérios dos Transportes, da Agricultura e do Turismo, de que resultaram escândalos semelhantes, com a demissão dos respectivos ministros. Escândalos esses dos quais já quase ninguém fala e que não terão, ao que tudo indica, nenhuma consequência para quem os praticou.
Não resta dúvida, portanto, de que não se trata de coincidências lamentáveis, e sim de um procedimento generalizado que consiste em usar a máquina do Estado para manter o projeto de poder implantado por Lula e que ele pretende prolongar indefinidamente.
Essa é sua pretensão, sem nenhuma dúvida. Se vai conseguir consumá-la, já é outra conversa, uma vez que esse projeto de hegemonia contraria o interesse de partidos que são, no momento, seus aliados. Os dois maiores adversários do lulismo e, portanto, desse projeto, o PSDB e o DEM, perderam força, o que favorece as pretensões de Lula.
Desse modo, os obstáculos possíveis, que ele teria de enfrentar no futuro, viriam de uma eventual oposição do PMDB, do PSB e do recém-criado PSD.
Ainda que não possamos apontar indícios claros dessa hipotética reação, a verdade é que chegar ao poder é o objetivo de todo partido político e, caso Lula retorne à Presidência ou reeleja Dilma, os dirigentes atuais daqueles partidos terão, talvez definitivamente, perdido a vez.
A isso se soma o temor decorrente do que ocorre em alguns países vizinhos, onde o populismo pseudoesquerdista, para perpetuar-se no poder, não hesita em atentar contra a democracia.
Essa minha hipótese ganhará viabilidade se os escândalos continuarem, levando de um lado à desmistificação do lulismo e, de outro, à fragmentação de sua base de apoio. O inesperado câncer surgido na laringe de Lula introduz, no processo político, um fator imprevisível.