FOLHA DE SP - 06/11/11
Pensar em coisas ruins faz com que se troque de pensamento, já que não há como mudar o que foi feito
DESDE QUE a doença de Lula foi conhecida, ficou tudo esquisito; o ex-presidente é uma figura pública, mais pública que um cantor de sucesso ou um ator de novela, e paira no ar um baixo astral parecido com aquele do tempo do Tancredo. Só que os boletins do Tancredo mentiam, e esses de agora dizem a verdade, a verdade nua e crua. Os petistas estão mal e os não petistas, como eu, também estamos.
Para um homem como Lula, ativo, falante, que não conseguia ficar quieto, não deve estar sendo fácil. Com a recomendação de falar o menos possível, Lula vai ter muito tempo para pensar, coisa que não parece fazer parte dos seus hábitos; e para ele, que era levado sobretudo pelo instinto, pensar muito pode ser perigoso.
Pensar nos leva sempre a fazer um balanço da vida, lembrar do que fizemos, dos erros e acertos, e não há quem não se arrependa de algumas das coisas que fez. Isso é bom ou ruim?
Quando se pensa nas boas coisas é bom, mas pensar nas menos boas faz com que se troque de pensamento, já que não há como mudar o que foi feito; aí se abre a geladeira, se pega um jornal, se telefona para um amigo, se deixa pra lá.
Mas quando não se pode falar, e por um bom tempo -o que parece que vai acontecer com Lula-, é difícil. Ele não parece ter o hábito de ler, e só ver televisão, para um homem habituado a uma atividade intensa, é pouco.
Steve Jobs não teve tempo de inventar uma maquininha que transformasse os pensamentos em sons -e sob um certo aspecto, ainda bem. Se os efeitos da químio permitirem, seria o caso de Lula tomar umas aulas de digitação, e com alguma ajuda, que certamente não faltaria, escrever o livro de sua vida.
Sua história é conhecida, mas ninguém conhece a história inteira de ninguém, e essa poderia ser uma maneira de ter um interesse, enquanto recupera a saúde. Não posso deixar de pensar, com tristeza, na vida desse homem nos próximos três, quatro meses, sem poder fazer o que mais gosta e melhor sabe fazer, que é falar.
Foi falando que ele chegou onde chegou, foi falando que convenceu metade do país a votar em Dilma, foi falando que foi chamado de "o cara". Será que religião nessa hora ajuda? Será Lula religioso? Não parece.
A doença colocou o ex-presidente de novo no centro dos holofotes, e por seu desejo pessoal, boletins médicos falarão, várias vezes por dia, sobre a evolução da doença. Isso é aplaudido por alguns, mas no que me diz respeito, vou procurar saber como vai sua saúde só uma vez por dia. Em não sendo uma pessoa próxima, não quero ficar viciada -como fiquei na época de Tancredo-, o dia inteiro diante da TV, para saber se o tumor tem dois ou três centímetros, se Lula está sendo tratado por químio ou radio, se fará cirurgia, ou o que.
Vou continuar ligada, vou continuar desejando que Lula saia dessa, vou torcer pelo Corinthians até que ele fique bom, pois isso vai lhe dar alegrias, mas vou também pensar em outras coisas.
A vida continua, como dizem. Mas se fosse comigo -e espero que isso não me aconteça-, preferiria não ter a minha saúde contada em detalhes, pela televisão, e sendo assunto de conversas, mesmo que fossem todas a meu favor.
Apenas uma maneira de ser.
Pensar em coisas ruins faz com que se troque de pensamento, já que não há como mudar o que foi feito
DESDE QUE a doença de Lula foi conhecida, ficou tudo esquisito; o ex-presidente é uma figura pública, mais pública que um cantor de sucesso ou um ator de novela, e paira no ar um baixo astral parecido com aquele do tempo do Tancredo. Só que os boletins do Tancredo mentiam, e esses de agora dizem a verdade, a verdade nua e crua. Os petistas estão mal e os não petistas, como eu, também estamos.
Para um homem como Lula, ativo, falante, que não conseguia ficar quieto, não deve estar sendo fácil. Com a recomendação de falar o menos possível, Lula vai ter muito tempo para pensar, coisa que não parece fazer parte dos seus hábitos; e para ele, que era levado sobretudo pelo instinto, pensar muito pode ser perigoso.
Pensar nos leva sempre a fazer um balanço da vida, lembrar do que fizemos, dos erros e acertos, e não há quem não se arrependa de algumas das coisas que fez. Isso é bom ou ruim?
Quando se pensa nas boas coisas é bom, mas pensar nas menos boas faz com que se troque de pensamento, já que não há como mudar o que foi feito; aí se abre a geladeira, se pega um jornal, se telefona para um amigo, se deixa pra lá.
Mas quando não se pode falar, e por um bom tempo -o que parece que vai acontecer com Lula-, é difícil. Ele não parece ter o hábito de ler, e só ver televisão, para um homem habituado a uma atividade intensa, é pouco.
Steve Jobs não teve tempo de inventar uma maquininha que transformasse os pensamentos em sons -e sob um certo aspecto, ainda bem. Se os efeitos da químio permitirem, seria o caso de Lula tomar umas aulas de digitação, e com alguma ajuda, que certamente não faltaria, escrever o livro de sua vida.
Sua história é conhecida, mas ninguém conhece a história inteira de ninguém, e essa poderia ser uma maneira de ter um interesse, enquanto recupera a saúde. Não posso deixar de pensar, com tristeza, na vida desse homem nos próximos três, quatro meses, sem poder fazer o que mais gosta e melhor sabe fazer, que é falar.
Foi falando que ele chegou onde chegou, foi falando que convenceu metade do país a votar em Dilma, foi falando que foi chamado de "o cara". Será que religião nessa hora ajuda? Será Lula religioso? Não parece.
A doença colocou o ex-presidente de novo no centro dos holofotes, e por seu desejo pessoal, boletins médicos falarão, várias vezes por dia, sobre a evolução da doença. Isso é aplaudido por alguns, mas no que me diz respeito, vou procurar saber como vai sua saúde só uma vez por dia. Em não sendo uma pessoa próxima, não quero ficar viciada -como fiquei na época de Tancredo-, o dia inteiro diante da TV, para saber se o tumor tem dois ou três centímetros, se Lula está sendo tratado por químio ou radio, se fará cirurgia, ou o que.
Vou continuar ligada, vou continuar desejando que Lula saia dessa, vou torcer pelo Corinthians até que ele fique bom, pois isso vai lhe dar alegrias, mas vou também pensar em outras coisas.
A vida continua, como dizem. Mas se fosse comigo -e espero que isso não me aconteça-, preferiria não ter a minha saúde contada em detalhes, pela televisão, e sendo assunto de conversas, mesmo que fossem todas a meu favor.
Apenas uma maneira de ser.