FOLHA DE SP - 20/09/11
Não há motivo "de fundo" para mudança duradoura e grande no câmbio, mas vai haver "sustos" com o dólar
EM PRINCÍPIO, não existe motivo maior para o valor do real dar uma corrida nesta ou naquela direção. Ou, como preferimos pensar o câmbio aqui no Brasil, não há motivo para o dólar subir muito e por muito tempo. Dito isso, ressalte-se que, no curto prazo, a taxa de câmbio não tem princípios, ainda mais nesta era de demência financeira.
O dólar pode ir a R$ 2 bem na semana da sua viagem de férias? Pode. E recuar para R$ 1,70 assim que se voltar para o trabalho. Então, o que quer dizer esse "em princípio"? Que o câmbio sofre influência de alguns fatores fundamentais, os quais não mudaram muito recentemente. Tanto não mudaram que os economistas não preveem grande mudança para o dólar no final do ano: algo em torno de R$ 1,70.
Quais são esses fatores mais "fundamentais" do câmbio? O real se valorizava porque temos juros e deficit altos, além de uma economia que cresce mais que a do mundo rico (rende mais). Estava entrando muito dólar aqui. Outros fatores de fundo ajudavam. Temos agora uma economia um pouco mais arrumadinha, que não assusta investidores estrangeiros.
Temos reservas bastantes para compensar fugas súbitas de capital. Temos um deficit externo até contido, estável, e bem financiado. Por esses motivos, Dilma Rousseff chegou a dizer, com certo exagero, que "o Brasil não quebra mais". Enfim, um motivo importante da alta do real foi a abundância de dólares no planeta, derivada da política monetária de juro zero e outras expansões de moeda nos EUA.
Decerto as coisas mudaram, de uns dois meses para cá, no que diz respeito ao mercado local de dólar. No final de julho, o governo completou uma saraivada de intervenções no mercado de câmbio e capital externo. Criou impostos sobre entrada de dólar e interveio no mercado futuro, culminando com um decreto que lhe deu plenos poderes de mudar o funcionamento dos negócios, a qualquer tempo. Isso diminuiu um pouco a quantidade de dinheiro disponível para negócios ("liquidez"), machucou as pernas de alguns investidores e aumentou o que se chama de "risco regulatório" (de mudança de regras, que podem dar em prejuízos).
Além do mais, o Banco Central indicou que vai derrubar os juros, e o fez de modo surpreendente. Ficou menos rentável "especular" com o real, além de mais arriscado. Também aumentou um tanto o risco de piora nas contas externas. Quer dizer, pode haver perda de valor dos bens que exportamos e menos capital para financiar nosso deficit externo, dadas as perspectivas ruins para a economia mundial.
Como cereja ou melancia desse bolo de mal-estares econômicos há, claro, a interminável crise da dívida dos governos da União Europeia. Como já está todo mundo cansado de saber, se a Grécia e/ou vizinhos derem o calote, haverá tumulto muito feio no mundo. A alta explosiva do dólar será o menor dos problemas, apenas sintoma de uma paralisia geral de crédito nos mercados.
A febre recorrente da crise financeira europeia está num de seus picos. O mercado brasileiro está mais arriscado, menos rentável, mais travado, "menos líquido". Num mercado com mais risco e menos negócios, uma movimentação grande pode jogar para lá ou para cá o preço do dólar. O barco vai balançar.