- 27/07/11
O contraste fica cada vez mais evidente. De um lado, uma tradição de oito anos de pacífica e ostensiva convivência com a malversação de recursos públicos, escorada nos ombros largos da governabilidade. De outro, uma completa devassa no Ministério dos Transportes, provocada pelas recentes denúncias de irregularidades praticadas desde que aquela pasta se transformou, no governo petista, em feudo do Partido da República (PR), componente da base aliada. "Sairão todos, independentemente de endereços partidários", garantiu a presidente Dilma Rousseff em entrevista de 80 minutos concedida a cinco jornalistas na última sexta-feira, no Palácio do Planalto.
Dito e feito. Até o início desta semana eram 18 os demitidos, entre eles o ministro herdado do governo anterior e os diretores dos dois principais órgãos vinculados à pasta, o Dnit e a Valec, responsáveis, respectivamente, pelas infraestruturas rodoviária e ferroviária. Dessas demissões, talvez mais significativa até do que a do próprio ministro Alfredo Nascimento foi a do diretor de operações do Dnit, Luiz Antonio Pagot, que resistiu à saída por quase três semanas, apelando para o recurso de entrar em férias e fazer ameaças veladas ao governo - tudo isso com o apoio explícito de importantes dirigentes petistas, entre eles o fiel escudeiro de Lula, Gilberto Carvalho, devidamente plantado no Planalto como ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza, e, de quebra, o vice-presidente da República e presidente de honra do PMDB, Michel Temer.
Apesar de algumas indecisões e recuos diante das crises políticas que tem enfrentado nos seus primeiros seis meses de governo - todas elas alimentadas por suspeitas e denúncias de corrupção -, a serena determinação demonstrada por Dilma Rousseff na conversa com os jornalistas que recebeu na sede do governo indica que, se depender apenas dela, o mau hábito de passar a mão na cabeça de corruptos e "aloprados", bem como tentar transferir para a oposição e a imprensa a responsabilidade por todos os malfeitos, faz parte do passado.
Dilma falou sobre tudo o que lhe foi perguntado, sem demonstrar impaciência ou irritação com as questões mais espinhosas. Mostrou-se muito à vontade e confiante quando tratou de assuntos econômicos, mas em nenhum momento revelou desconforto com problemas políticos. Procurou, é claro, minimizar a importância e a gravidade das denúncias de corrupção, das notícias sobre crises no governo e de suas divergências com o antecessor: "Eu entendo que dá manchete ter crise, mas de que ruptura vocês estão falando? Com quem?". E procurou se comportar como a magistrada que precisa ser, insistindo em que "não se pode demonizar a política nem a relação com os Ministérios", até porque "é preciso ter cuidado, porque tem gente que é inocente". E acrescentou: "Não podemos olhar só o governo, só o Congresso e a sociedade. É função intrínseca do governo impedir que haja conluio em qualquer lugar". E manifestou sua disposição de remover todo e qualquer entrave ao bom funcionamento da máquina do Estado: "Eles (os eleitores) me botaram aqui para isso".
Enquanto isso, em franca atividade política para manter-se em evidência na mídia que tanto ataca e também para manipular candidaturas para as eleições municipais do ano que vem - tanto num caso como no outro de olho nas eleições presidenciais de 2014, às quais se tem revelado candidatíssimo -, Lula não se cansa de repetir o que dele, pelo menos por enquanto, só se poderia esperar: protestos de sólida identificação e fidelidade em relação à sucessora que escolheu.
Na verdade, nem ele nem ela precisam explicitar o que pensam para evidenciar que se desenha no horizonte a confirmação do estigma do desgaste e consequente esfriamento da relação entre criadores e criaturas na política. Basta que continuem se comportando, ele, como sempre se comportou, e ela, como parece ter descoberto que é uma imposição de sua investidura. Por exemplo, no recado que Dilma mandou aos parlamentares: "É do jogo que o deputado peça e o governo aceite ou não". O limite entre uma coisa e outra é estabelecido, sobretudo, pela lei. Ou seja: fazer política, pode. Roubar, não pode mais.