O Globo - 21/06/2011 |
Frequentemente usado para medir a produtividade e o êxito inicial de um governo, o conceito dos primeiros cem dias não é favorável ao governo da presidente Dilma Rousseff. Mesmo se considerarmos um recorte temporal ampliado, que abranja um semestre inteiro, o resultado final não seria muito diferente. Os menos céticos diriam que o que muitos percebem como inatividade política é de fato estratégia de uma administração em seus primeiros dias. Afinal, seria razoável esperar uma mudança de ritmo na dinâmica política em Brasília depois da troca de um líder muito carismático por uma presidente com pouca experiência política. Prudência seria um ingrediente fundamental para o acúmulo de capital político na longa evolução de candidata in pectore de Lula para uma líder por seus próprios méritos. Essa estratégia, todavia, implica riscos. O mesmo capital político que é almejado costuma ser consumido pelo exercício de poder. Os elementos que determinam o saldo final são tênues. Crescimento econômico, inflação baixa e opinião pública são alguns dos fatores em operação. Mas, no modelo brasileiro de presidencialismo de coalizão, é a relação entre o poder Executivo e o Congresso que fornece pistas valiosas sobre a natureza de um governo e as perspectivas sobre seu futuro. Nesse sentido, para explicar a paralisia legislativa dos últimos meses, três razões se destacam. A primeira é a natureza complexa da agenda legislativa. As negociações em torno das reformas tributária e politica, por exemplo, carecem de qualquer consenso há mais de uma década e qualquer proposta mais ambiciosa requererá uma maioria qualificada para ser aprovada. Mas até mesmo diante de matérias teoricamente mais simples, como a concessão de aeroportos para o setor privado, o governo parece pouco disposto para proceder. O que remete à segunda razão para a quase paralisia dos trabalhos legislativos desde o início do governo Dilma: a natureza ideologicamente heterogênea da coalizão governamental. No papel, Dilma dispõe de uma maioria parlamentar mais ampla do que Lula jamais teve. Mas seu próprio partido é apenas o segundo maior da aliança, atrás do PMDB. Acrescenta-se à mistura forças conservadoras, grupos evangélicos, partidos socialistas tradicionais e proprietários rurais e o resultado final fatalmente será a discórdia. Aliás, a recente votação do novo Código Florestal configura um exemplo de como a dinâmica da coalizão de Dilma pode proceder contra a vontade de seu governo. A terceira razão da inatividade é a lentidão com a qual a presidente tem preenchido cargos. De forma resumida, a estabilidade do presidencialismo de coalizão pressupõe uma partilha correspondente de cargos de primeiro e segundo escalões no Executivo entre os partidos aliados no Congresso. Sem acesso direto à formulação de políticas públicas ou mesmo ao orçamento, a articulação política entre os aliados fica comprometida. As prováveis consequências são insatisfação, infidelidade, impasse e finalmente defecção. Afinal, o que sustenta uma coalizão heterogênea não é ideologia, mas poder e verbas. A combinação dessas razões sublinha as dificuldades que qualquer presidente teria de enfrentar em sua relação com o Congresso. Mas, no caso da presidente Dilma, parece subjazer uma vulnerabilidade política mais séria, resultante de sua evidente indisposição para fazer política. Até o momento, ela tem preferido governar por medidas provisórias e, diferentemente de seu antecessor, se mostra refratária à exposição pública. O silêncio de Dilma, quando comparado com o estilo Lula, tem sido interpretado como uma maneira pragmática de governar. Mas, na medida em que a popularidade presidencial desinfle e as dificuldades persistam, o mesmo silêncio será percebido como um sinal de uma frágil liderança política. De todo modo, apesar da relativa paralisia no Congresso, o governo Dilma tem angariado apoio suficiente para seus objetivos mais imediatos. A estratégia para conter a crise política que desaguou na demissão do ministro Antônio Palocci, por exemplo, foi uma demonstração de sobrevivência política. Mas sobrevivência não é a mesma coisa do que força. Sem a vontade política para consolidar a coalizão de governo, a base de apoio de Dilma continuará sendo, ao mesmo tempo, a maior fonte de ameaça ao seu governo. O caso Palocci, nesse sentido, serve como um exemplo. O tempo ainda serve como justificativa plausível para as hesitações da presidente Dilma. Um começo cauteloso, testando as águas do governo, avaliando aliados e decidindo sobre o mérito das principais políticas públicas. Mas isso deverá mudar. Na medida em que o provável desaquecimento da atividade econômica e a pressão inflacionária desgastem sua popularidade, Dilma terá menos recursos políticos ao seu alcance para manter sua coalizão unida e governar. |