O GLOBO
O governo começa a sair de sua letargia para tentar aprovar o novo Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para as obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Rio de Janeiro na base do convencimento da classe política e da opinião pública, admitindo esclarecer dúvidas e fazer alterações que tornem mais explícitas as intenções de alguns artigos envolvidos em polêmica.
Depois de uma reunião ontem no Palácio do Planalto, onde se avaliou que há boa chance de aprovar o projeto mesmo diante da resistência inicial do PMDB, em especial do presidente do Senado, José Sarney, teve início um mutirão de esclarecimento para tentar recuperar o que consideram ser o"espírito republicano" da nova legislação proposta. A demonstrar que no mínimo o governo perdeu a batalha da comunicação ao deixar que o RDC ficasse marcado como uma legislação que permitirá uma farra com odinheiro público, o deputado federal Miro Teixeira fez uma proposta que deveria ser seguida pelo governo: se a legislação é um aperfeiçoamento da Lei de Licitações, por que não adotá-la para todas as obras públicas, em vez de o país ter duas legislações distintas? Existe arazão singela de que há premência de tempo, e a discussão para generalizar as medidas levaria mais tempo do que o governo dispõe para eventos que têm dia marcado para começar.
É uma explicação razoável, embora deixe à mostra a imprevidência governamental, que há três anos e meio sabia que tinha uma Copa do Mundo para organizar. O governo alega que desde dezembro de 2009 apresentou essa proposta, que não teve andamento no Congresso. Por isso, em julho do ano passado, foi enviada uma medida provisória para o Congresso, que não votou. Em fevereiro deste ano, quando enfim ia ser votada, a oposição pediu que fosse retirada para poder estudá- la melhor. E chegamos aon- de estamos, consequência da incapacidade do governo de mobilizar sua base aliada desde ogoverno Lula eda burocracia brasileira. Na próxima terça-feira haverá novo embate na Câmara, para avotação dos destaques, e os pontos polêmicos estarão mais uma vez em discussão.
O governo alega que a inversão de fases na licitação é uma tendência consolidada, que está sendo testada em diversos estados, entre eles, São Paulo, governado pelos tucanos, e tem se mostrado uma boa prática. Essa inversão faz com que o preço da obra ganhe prioridade sobre aprova de habilitação da empresa concorrente.
Nessa visão, a habilitação não pode ser um fator desclassificatório se for um problema apenas de burocracia. É claro que não se pode contratar uma empresa que não esteja qualificada para a obra, mas muitas vezes um problema burocrático menor impede que a melhor empresa seja contratada.
Será preciso é uma fiscalização firme para que empresas não qualificadas para determinado tipo de obra acabem sendo admitidas, como já aconteceu em outras obras públicas mesmo com as regras atuais. Ampliar o uso do pregão eletrônico é outra inovação que o governo considera importante, e, em todos os lugares em que foi utilizado, ofereceu vantagens, mostrando-se fator de aumento da competição e redução dos custos.
Mais uma vez o governo recorre a um exemplo do governo dos arqui-inimigos tucanos para justificar outra medida polêmica, a contratação integrada, ou turn key.
Esse sistema foi autorizado no governo de Fernando Henrique Cardoso desde 1998 para tornar mais ágeis as licitações da Petrobrás, em decreto que incorporou pela primeira vez à legislação brasileira o sistema de turn key, que é muito usado em vários países, como na Inglaterra e nos Estados Unidos.
No Brasil, o setor privado, entre suas grandes empresas, usa com muita frequência esse sistema. O ponto mais polêmico, o do sigilo do preço das obras, está circunscrito no texto do decreto, segundo garante o governo, e o processo de licitação será aberto aos órgãos de controle, como o Ministério Públicoeos Tribunais de Contas. Mas não será dada publicidade ao orçamento previsto pelo governo com oobjetivo de não fazer desse preço fixado o piso dos concorrentes.
O governo alegadamente quer evitar uma combinação de preços entre as empreiteiras.Mesmo que essa combinação possa ser feita no escuro, o preço pode ficar abaixo do que o governo estava pensando, e, se ficar acima, o governo pode refazer o processo.
Além do mais, o governo tembases técnicas para defender esse sistema que, fazem questão de ressaltar, não é uma jabuticaba, isto é, um sistema só existente no Brasil.
A Organização para Coordenação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os países desenvolvidos, tem um manual de recomendações para combater conluio entre as empresas e teve bons resultados com essa prática, passando a recomendá-la como uma boa experiência de gestão. Segundo informações do governo, o Ministério do Planejamento já estava estudando esse projeto há quatro anos, para substituir a Lei 8.666, enem com a Copa do Mundo conseguiu fazer com que as discussões fossem concluídas. Se o Regime Diferenciado for aprovado, haverá um compromisso de estendê-lo a todas as demais obras públicas com base na experiência adquirida nas obras da Copa e das Olimpíadas.