Valor Econômico - 25/05/2011 |
Depois da crise internacional de 2008, ficou na moda criticar economistas, seus modelos matemáticos e os ensinamentos da chamada "main stream economics". Parecem cair no esquecimento créditos conhecidos da profissão como as reformas econômicas do Chile, o "milagre" brasileiro, conduzido por Bulhões, Campos e Delfim, os resultados do Plano Real, sem dúvida a mais bem-sucedida experiência mundial de combate à hiperinflação, e, mais recentemente, a correta condução da política monetária e cambial sob as batutas de Armínio Fraga e de Henrique Meirelles. As críticas procedem é quando apontam para a inadequação dos modelos aos momentos de crise violenta. Modelos macroeconômicos funcionam bem em tempos "normais", mas são incapazes de prever e bem lidar com catástrofes econômicas. Keynes, diante da Grande Depressão dos anos 30, foi pioneiro em perceber que, diante de uma crise generalizada de confiança, algo diferente precisava ser feito. Antes dele prevalecia a ideia dos clássicos de que "a oferta cria a sua própria demanda" (Lei de Say), o que praticamente dispensava o estudo da Macroeconomia como disciplina separada das teorias dos preços, do comércio e da moeda. Com Keynes surgia a preocupação com as flutuações da demanda agregada, entendidas como determinantes de "ciclos" curtos de prosperidade e recessão. Se o pleno emprego não era mais garantido pela "mão invisível", o que poderiam fazer os economistas para corrigir ou atenuar momentos de baixa atividade econômica? Que representação simplificada da realidade melhor relacionaria os instrumentos de política econômica aos objetivos governamentais nas áreas de produção/emprego, inflação e balanço de pagamentos? Keynes obviamente exagerou ao virar a Lei de Say pelo avesso, postulando que a demanda criaria a sua própria oferta. Como, em sua "Teoria Geral" - na verdade uma teoria muito particular - a política monetária teria pouca ou nenhuma potência diante de crises de confiança, ênfase foi dada ao remédio do dispêndio público, quando surgisse a necessidade de reativação da demanda agregada. A reação dos monetaristas e neoclássicos em geral, capitaneada por Friedman, veio enfática após a descrição da expressiva contração experimentada pelos agregados monetários durante a Grande Depressão. "Money matters" passou a ser aceita como proposição indiscutível e a profissão caminhou para um consenso bem expresso na formulação IS-LM, que conciliava equilíbrios nos mercados monetário e de bens e serviços, conquistando livros texto e salas de aula por todo o mundo. Eis que surge, por volta da década de 60, um forte movimento no sentido de incorporar os fundamentos lógicos da Microeconomia aos modelos macroeconômicos, estes julgados deficientes por não incorporarem premissas de racionalidade no comportamento dos agentes econômicos. A reação começa com a contestação da Curva de Phillips tradicional, que relacionava positivamente emprego e inflação, e chega ao seu extremo com a Teoria das Expectativas Racionais, de Robert Lucas, que praticamente decretava o enterro da Macroeconomia, ao propor a incapacidade dos formuladores de política de influenciar variáveis reais. Vida que segue e novamente a profissão caminhou para um consenso, evoluindo para a Teoria das Expectativas Adaptativas, segundo a qual agentes econômicos seriam racionais, mas informações poderiam ser assimétricas e demandar certo tempo para plena absorção. A rigidez de contratos poderia também causar atrasos nos ajustamentos de preços e salários. Nesse quadro, formuladores de política teriam espaço para agir em certos casos, mas não deveriam exagerar em seu ativismo. Como a economia mundial andou dentro dos trilhos nas cercanias da virada do século, macroeconomistas, incorporando em seus modelos os ensinamentos da teoria convencional, pareciam viver um momento de glória. A eclosão da crise recente, iniciada no mercado imobiliário, mas rapidamente transportada para o setor financeiro, veio modificar o cenário para a profissão e instigar indagações. Como é que os economistas não conseguiram prever o ocorrido? Seria adequado o receituário de política econômica derivado dos modelos então existentes? Era óbvio que faltava algo importante nos modelos para a "correta" descrição da realidade. A primeira ausência notada é a de uma "proxy" para o fator confiança, que, quando desaparece nas relações entre agentes econômicos, faz despencar os multiplicadores da moeda e do crédito, bem como a propensão a gastar. Também, mostra-se fundamental que os novos modelos possam incorporar aspectos específicos do funcionamento dos mercados monetário e financeiro. Só para destacar a importância desse último ponto, lembremos que a crise recente começou no setor imobiliário e que imóveis perfazem o grosso das garantias bancárias. Como bancos trabalham alavancados, bastam pequenas alterações nos preços dos ativos lastreados por hipotecas para jogar resultados e patrimônios líquidos para o vermelho. Ora, no auge da crise, alguns grandes bancos internacionais chegaram a ter perda de valor de mercado da ordem de 90%. Como há forte relação entre o patrimônio dos bancos e o risco de crédito suportável, não fora a operação de socorro governamental e a quebradeira seria generalizada, o crédito secaria a nível mundial e a catástrofe econômica atingiria proporções inimagináveis. Isso para mostrar que, dependendo de onde se originam as crises, podemos obter impactos bem diferenciados sobre o sistema financeiro e sobre a economia como um todo. Questões como esta não são capturadas em modelos tradicionais. Assim, introduzir elementos de realismo, principalmente ligados aos mercados de crédito, fica como o grande desafio para a nova geração de economistas que se dedica à difícil tarefa de produzir a modelagem matemática da macroeconomia. Que venham com muita competência, intuição e arte! Rubem de Freitas Novaes economista pela UFRJ, tem doutorado na Universidade de Chicago. |