segunda-feira, maio 23, 2011

Dos efeitos do priapismo na economia mundial Marco Antonio Rocha


O Estado de S. Paulo - 23/05/2011
 

Diz a lenda que o poder e o dinheiro são afrodisíacos, e que todo rico é priápico. Lenda que ganhou reforço na última semana, com o envolvimento, num escândalo sexual, do homem de grande poder que lidava com montanhas de dinheiro, de muitos países, sentando-se, por força do cargo, ele próprio, numa montanha de dinheiro, do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O caso está nas mãos da Justiça e da Polícia norte-americanas, e as finanças internacionais têm de tocar sua vida de qualquer modo.

Algum abalo ou perturbação sem dúvida advirá, dado o bom desempenho que Dominique Strauss-Kahn vinha apresentando nas funções muito mais discretas - embora muito mais pecaminosas - de salvar banqueiros e governos relapsos da bancarrota e evitar que o mundo financeiro venha abaixo em outra crise, pior do que a de 2008. Para tratar desses magnos problemas, nesta semana deverá haver a reunião de cúpula do G-8, em Deauville, na França, na qual o diretor-gerente do FMI seria uma presença-chave. Mas ele já renunciou ao cargo e é muito duvidoso que possa enviar suas orientações e seus conselhos por e-mail ou por outra via qualquer. Primeiro, porque não terá cabeça para isso, que estará centrada em como evitar a cadeia para o resto da vida. Segundo, porque a sua destituição cria um cenário diferente do que prevalecia antes dos fatos nebulosos ocorridos na suíte do Sofitel - cenário do qual estará distante.

É até possível um adiamento da reunião, para dar tempo a que um substituto europeu de Strauss-Kahn seja entronizado - pois o interino, que irá, ou iria, no lugar dele, embora fosse seu assessor no FMI, é um americano, John Lipsky, e não há quem não saiba que economistas americanos estão sempre sob suspeita entre representantes de governos europeus.

De qualquer forma, não será fácil escolher um substituto para S-K. A tradição é que o diretor-gerente tem de ser europeu, no velho formato de um europeu para o FMI e um americano para o Banco Mundial (Bird). Mas, desta vez, os emergentes estão emergindo para a disputa e querem alguém mais afinado com eles, mais capaz de entender o bricabraque - que é como muita gente do Primeiro Mundo ironicamente denomina a linguagem dos Brics - sem dúvida, difícil de compreender muitas vezes. É que a linguagem dos desenvolvidos (e hoje, desarranjados) é quase sempre uma só e está nos manuais de boa governança que eles próprios escreveram. A dos Brics parece que se está formando ainda e nem é a mesma: conforme o membro do grupo que fale, ela muda - na verdade, quase nunca é a mesma.

Por isso, acho que é prematura a pretensão dos emergentes de conseguir eleger um dos seus para diretor-gerente do FMI. Até porque, nessa nobre sociedade, os EUA detêm grande parte do capital, e o capital detido pelos emergentes não chega a ser decisivo. Mas pleitear não ofende, de modo que o nosso ministro Mantega aproveitou para pontificar que "antes de discutir nomes, devemos estabelecer critérios para uma seleção adequada". Até parece um líder dos minoritários de partido político brasileiro dando o seu "pitaco" na véspera da convenção nacional. E emendou: "Já se passou o tempo em que algumas decisões podiam ser tomadas por um grupo de países". Calma, ministro, esse tempo não passou de todo... e V. Exa. ainda não tem a menor chance de ser diretor-gerente do FMI.

De qualquer forma, também, não é fácil fazer uma reunião de cúpula que exige clima de serenidade para poder pensar a médio e a longo prazos, num ambiente como o que vive a Europa, com alguns governos reféns de agiotas. As ruas da Espanha estiveram cheias de jovens, na semana passada, protestando contra o desemprego e o caos social, e o importante jornal El País ponderava que a onda de inquietação que se propagou pelo norte da África, e ainda apresenta grandes riscos, pode ter chegado à Espanha.

O caso da Grécia está num impasse. Praticamente falido, o berço da filosofia ocidental se recusa a aceitar a proposta das lideranças da União Europeia de uma reestruturação da sua dívida de 150% do Produto Interno Bruto, com o seu primeiro-ministro, George Papandreou, argumentando que "a partir" de 2014 o país terá um excedente orçamentário que tornará sua dívida "viável" - seja o que for que isso signifique: "Nós estamos tomando todas as medidas necessárias", garantiu ele. O que deve levar seus credores a indagarem: por que as medidas necessárias não foram tomadas para evitar o endividamento?

Essas turbulências e incertezas se agravam num momento pouco feliz para a economia brasileira, que está sentindo os primeiros arranhões de um surto inflacionário que pode crescer; está vendo caírem os preços das commodities, que muito contribuíram para o nosso saldo comercial externo; que não está tendo os resultados que poderia esperar da prometida austeridade fiscal do novo governo; e que vê muitos economistas e empresários apostarem mais no menos do que no mais, em termos de crescimento, e mais no mais do que no menos, em termos de inflação nos próximos meses.

Tudo num momento em que a presidente Dilma dá alguns sinais de perda de rumo.