quinta-feira, abril 21, 2011

Indecisão do BC MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 21/04/11

A decisão do Banco Central de aumentar os juros era a única possível,
diante da elevação do risco inflacionário, mas fica a impressão de que
recebeu uma autorização para a elevação menor possível. O BC ter um
misto de políticas para conter o crédito e a demanda reforçará o
movimento dado com a elevação dos juros. Mas o BC continua perdendo a
batalha da comunicação.
Nos últimos meses, o país tem estado em pleno retrocesso na área da
autonomia do Banco Central e da política anti-inflacionária. Há várias
pressões, o problema é de natureza complexa, e o Banco Central tem de
restabelecer a confiança em sua autonomia. As declarações conflitantes
e, pior, as decisões contraditórias alimentam a sensação de que o BC
não toma decisões técnicas, que está sempre pedindo licença em cada
decisão.
Há muito a fazer no Brasil para construir um Sistema Financeiro
Nacional forte, inclusivo, com juros estruturalmente mais baixos, com
uma regulação mais eficiente. O debate ficou prisioneiro dessa
conjuntura e de uma dúvida que já parecia estar sanada: se o BC é ou
não autônomo. E ficou parado exatamente quando poderia estar se
preparando para novos passos mais ousados.
Um livro de vários autores que será lançado na próxima terça-feira no
Rio chamado "Desafios do Sistema Financeiro Nacional", da Campus
Elsevier, mostra bem o tamanho da tarefa a fazer para o país
aproveitar melhor e colher os benefícios da estabilidade monetária.
Organizado pelos funcionários do Banco Central Alessandra Dodl e José
Renato Barros, o livro, no qual escrevi o prefácio, traça um panorama
detalhado e precioso de avanços necessários em todas as áreas da
organização do SFN.
Os juros precisam cair de forma estrutural para níveis muito mais
baixos, é preciso ampliar a oferta através de outros mecanismos como o
cooperativismo, o microcrédito. É preciso ampliar o sistema de
pagamentos, tornando os meios, como cartões de crédito, mais baratos.
É indispensável usar a nova tecnologia de informação para ampliar as
formas de pagamento. O Brasil e o mundo precisam definir que tipo de
regulação para o mercado financeiro é mais eficiente: se a mais
rigorosa ou a mais flexível. O livro permite uma reflexão ampla sobre
os desafios que o país tem pela frente para tirar o melhor proveito da
estabilidade.
Para essas tarefas é que o país deveria estar olhando agora, e a
sensação que se tem é que retrocedemos várias casas num jogo que já
estava ganho para rediscutir se deveremos escolher entre ter mais
crescimento com um pouco mais de inflação; ou se a inflação é ou não
de demanda. Um debate que parecia já ter sido encerrado após as provas
concretas que tivemos dos estragos que a inflação pode produzir.
Esse túnel do tempo nos levará a perder oportunidades. A inflação está
alta, ela precisa ser combatida com uma política coerente, a
dissonância na equipe econômica só aumenta o volume dos ruídos que
alimentam a inflação. Essa dissonância não pode ser sanada com o Banco
Central sendo mais leniente com a inflação, e sim, com a Fazenda
executando melhor seu papel de controle dos gastos públicos.
Podem ser feitos truques contábeis para criar um falso superávit
primário como o do ano passado; mas não se engana a economia. Ela
sente os efeitos do aumento dos gastos, dos incentivos aos créditos,
do aumento da parcela do crédito que não é afetada pela política
monetária.
O IPCA-15 divulgado ontem mostrou uma inflação acumulada em 12 meses
muito perto do teto da meta, em 6,44%. Combustíveis tiveram aumento de
5,26%, apesar de o governo estar segurando o preço da gasolina cobrado
pela Petrobras das distribuidoras, causando diversas distorções, como
foi mostrado ontem aqui na coluna. O acumulado no ano já passa de 3%,
e o centro da meta é de 4,5%. O índice de difusão aumentou, isso quer
dizer que há um percentual maior de produtos subindo, que a inflação
está se espalhando na economia.
A maioria do mercado apostou num aumento de 0,25%, não por considerar
que esse era o número adequado, mas porque acha que o Banco Central
não teria liberdade para um número mais alto. E é essa impressão que o
BC tem de vencer. Na nota de ontem, explicou que prefere doses menores
por mais tempo.
A autoridade monetária precisa convencer os agentes econômicos quando
toma suas decisões. O BC parece que está tentando agradar a presidente
da República, evitar qualquer discordância com o falante ministro da
Fazenda, perseguindo duas metas ao mesmo tempo.
No regime de metas de inflação, convencer é parte da política
econômica. Para convencer, tudo tem de parecer coerente. A taxa de
juros, as atas, os relatórios de inflação, as declarações públicas, as
medidas anunciadas. Adianta pouco conversar com alguns dos formadores
de opinião do mercado financeiro para que eles façam declarações
amigáveis se, a cada momento, o Banco Central emite um sinal
diferente.
A inflação em doze meses subirá, depois pode cair no final do ano, mas
já tem um impacto forte contratado para o começo do ano que vem com a
fórmula do salário mínimo que subirá de acordo com o crescimento
econômico de 2010 e a inflação de 2011.
O Banco Central tem de trabalhar com um horizonte longo, como bem sabe
o presidente da instituição, Alexandre Tombini, um dos formuladores da
política de metas de inflação, quando ela foi implantada em 1999, que
foi capaz de domar o descontrole que veio após um colapso cambial.