quinta-feira, abril 21, 2011

A crise dos países ricos CELSO MING

O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/04/11

Como acontece em todos os processos históricos importantes, bons e
ruins, os estudiosos se encarregarão de dividir em fases a grande
crise financeira que eclodiu em 2008. Entre essas fases, registrarão
as fortíssimas expansões monetárias colocadas em prática pelos
principais bancos centrais com o objetivo de manter a liquidez,
desobstruir os canais de crédito, garantir o consumo e o emprego.
Outra dessas fases será dedicada à deterioração fiscal. Também as
autoridades administradoras dos Tesouros dos países ricos fecharam os
ouvidos para reclamações de austeridade e, por vezes escoradas num
falso keynesianismo, se encarregaram, elas próprias, de expandir as
despesas públicas. Trataram prioritariamente de socorrer os grandes
bancos (os grandes demais para afundar), de prover verbas especiais
para reativar a indústria de veículos e, como acontece em toda grave
crise, foram acionados os mecanismos automáticos cuja função é pagar
seguros-desemprego.
Essa grande expansão das despesas não foi o único fator que estourou
os orçamentos públicos. Os países ricos também distribuíram isenções
tributárias e devoluções de impostos. E, mais do que isso, a própria
retração da atividade econômica derrubou a arrecadação.
O desfecho da crise parece ter sido adiado graças à ação dos
dirigentes. Mas o principal resultado líquido de todas essas
providências é um estado generalizado de calamidade nas finanças
públicas dos países ricos. Os rombos orçamentários estão aumentando e
ameaçam sair do controle. Em consequência disso, a dívida pública deu
um salto em toda parte a ponto de disparar sinais de alarme de risco
de calote. (Na tabela, você tem uma foto da situação fiscal de um
conjunto de 15 países. Em princípio, déficit orçamentário de mais de
3% do PIB e dívidas superiores a 60% do PIB constituem sinal de
desequilíbrio.)
O cartão amarelo levantado segunda-feira pela Standard & Poor"s,
agência de análise de risco, para a qualidade dos títulos de emissão
do Tesouro dos Estados Unidos é apenas um episódio nesse afundamento
fiscal generalizado que não dá sinais de reversão.
A área do euro sofre de mal semelhante, com a diferença de que atinge
mais os países da sua periferia (Grécia, Irlanda e Portugal) do que
seu centro duro (Alemanha e França). Nos países ricos, a inflação só
não veio com mais força porque a atividade econômica segue em marcha
lenta.
Como resposta natural, em toda parte, por caminhos e tensões
diferentes, vai crescendo o apelo à austeridade. Na periferia da União
Europeia, as populações relutam a aceitar os sacrifícios. Mas eles são
inevitáveis, em pacotes variáveis de redução real de salários e de
aposentadoria; e de aumento de impostos e fortalecimento da poupança.
Uma das novidades deste momento é que a diferença entre um país
fiscalmente equilibrado e um fiscalmente desequilibrado não se limita
às condições de saúde financeira. Transfere-se também para a área
política.
A Alemanha, por exemplo, é o país da União Europeia que tem mais
possibilidade de impor regras do jogo sobre os demais porque também é
o que tem as finanças mais aprumadas. O mesmo se pode dizer dos
emergentes cujas fichas cadastrais estão mais em ordem do que as dos
países ricos. Ainda que não tivesse tomado nenhuma decisão importante,
o primeiro encontro entre os dirigentes dos Brics (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul), realizado na semana passada, em Sanya,
no sul da China, levantou indagações sobre o que estão tramando esses
recém-chegados ao cenário geopolítico. E não é sem razão que a boa
fase fiscal e mais seu invejável índice de poupança, de 51% do PIB,
dão à China mais preparo para determinar seu próprio destino. Assim, a
melhora das condições de player político se apresenta agora como
consequência da melhor situação fiscal.