FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/11
Será difícil para governo poupar o que propôs em 2011; plano fiscal de médio prazo é o mais importante
QUASE TODO mundo versado em aritmética dá de barato que o governo federal não deve cumprir a meta de poupança de despesas em 2011, o chamado superavit fiscal primário (receitas menos despesas, excluídas despesas com juros). Ainda assim, não é grande a descrença de que haverá contenção grande de gastos, o que pelo menos vai reduzir a contribuição do governo a uma demanda já por demais aquecida. Além do mais, a dívida pública, considerada em relação ao PIB, deve continuar a cair, embora devagarzinho.
Então, qual é o problema?
Antes de mais nada, note-se que não é bom ter de fazer apertos num ano apenas. O governo vai ter de fazer mágicas e milagres para conter as despesas de modo a atingir até um superavit de 2,5% do PIB, abaixo da meta de 3% do PIB -a estimativa de dificuldades para atingir os 2,5% é do economista Mauricio Oreng, do Itaú, em estudo detalhado a respeito dos problemas fiscais de 2011. Quando há mágicas e milagres, a qualidade do gasto cai. Programas e investimentos por vezes são interrompidos ou atrasados.
Por que vai ser difícil atingir a meta de superavit? Segundo Oreng:
1) a arrecadação do governo federal não vai subir tanto em relação ao PIB quanto o estimado no Orçamento (será menor a "elasticidade-PIB" da arrecadação). Segundo os economistas do Itaú, para cada aumento de 1 do PIB, a receita deve crescer 1,4, e não 1,9, como o estimado no Orçamento. No ano passado, por exemplo, o PIB deve ter crescido 7,6%; a receita cresceu 9,85% (a elasticidade foi de 1,3). Essa deve ser a tendência nos próximos anos;
2) a economia deve crescer menos (4,3%) do que o previsto no Orçamento (5,5%) -é uma estimativa mais incerta, mas em termos de Orçamento é melhor ser conservador;
3) as receitas não tributárias não devem ser tão altas. Etc.
O aumento do gasto previsto pelo Congresso é muito alto: 11,6%, maior mesmo que o da liberalidade de 2009 e de 2010 (9,5%), de política fiscal (gastos públicos) "anticíclica" (com o fim de evitar recessão, que, aliás, acabou em 2009).
Dados esses pressupostos, Oreng estima que o governo precise evitar gastos de R$ 83 bilhões (contigenciando gastos previstos no mais uma vez fictício Orçamento; transferindo despesas para 2011. Em suma, não gastando quase nada a mais que em 2010). É um "corte" de 2% do PIB, o equivalente a 38% de todas as despesas "livres" (discricionárias) do governo. Entre 2003 e 2010, a média do "congelamento" de gastos foi de 15%. No duro ano de 2003, o de estreia de Lula e de crise feia, a contenção foi de 21%. Há outros empecilhos, mas o grosso do problema está aí.
Oreng diz que o governo dá sinais de se esforçar para dar conta do recado, esforço, porém, infrutífero (considerada a meta oficial). Mas a questão maior não é essa. Como diz o estudo, "...o problema provavelmente não deve ser resolvido em apenas um ano". O crescimento da receita de impostos deve aos poucos convergir para o crescimento do PIB (não será possível mais fazer "ajustes" com receitas extras); faz tempo não é mais conveniente aumentar impostos, já altos demais. Ou seja, mais do que acertar os décimos da meta deste ano, o problema mesmo é conceber um plano de médio prazo que faça o Estado caber eficientemente no tamanho da economia.