sábado, novembro 27, 2010

Estranha normalidade:: Fernando Rodrigues

FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - "O comando do Exército no combate à criminalidade e ao
tráfico de drogas no Rio é apoiado por 86% dos moradores do Estado,
segundo pesquisa Datafolha realizada nos dias 7 e 8 deste mês", dizia
o primeiro parágrafo de um texto da Folha publicado no longínquo 13 de
novembro de 1994.

Suspeito que hoje, a julgar pelo tom eufórico de alguns telejornais, o
apoio dos fluminenses à presença dos militares esteja próximo dos
100%. Há 16 anos, como agora, o governo do Estado do Rio de Janeiro
havia firmado um convênio com as Forças Armadas.

Ainda não havia TV a cabo com noticiário brasileiro transmitido 24
horas para produzir o impacto atual, mas a operação tinha magnitude
semelhante à de agora. Estava autorizado o uso de blindados,
helicópteros e armamentos pesados. Produziu-se um sucesso relativo,
com pacificação eventual das regiões dominadas pelo tráfico.

Passada uma década e meia, a situação se repete -de maneira mais
fluída. Quase inexiste pudor sobre o uso de soldados do Exército em
áreas urbanas. Tudo parece muito natural. "É um exemplo para outros
Estados?", perguntava ontem a GloboNews. O apoio inicial dos
fuzileiros navais foi dado como vital para desbaratar as quadrilhas e
colocar bandidos em fuga.

Há, por sorte, uma diferença essencial de hoje para 1994: a existência
das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Se a experiência for
replicada com rapidez, talvez seja possível haver uma consolidação do
Estado nas áreas degradadas pelo crime. Seria uma forma (não a única,
por óbvio) de evitar o retorno da bandidagem.

Quando há uma guerra, é difícil julgar todas as ações no momento em
que ocorrem. É compreensível o apoio aparentemente em massa dos
cidadãos de bem à ação militar contra os narcotraficantes. Mas não
deixa de ser alarmante a estranha naturalidade com que o uso das
Forças Armadas é recebido.