O Globo - 21/09/2010
Dando como liquidada a fatura eleitoral, com a eleição de sua candidata no primeiro turno, o presidente Lula resolveu soltar seus cachorros para cima dos que ainda resistem ao que pretende ser uma razia às hostes inimigas: os meios de comunicação e os partidos oposicionistas que têm a ousadia de andar elegendo senadores e governadores em alguns estados pelo país.
Em Minas, por exemplo, onde o ex-governador Aécio Neves, além de se eleger para o Senado, está elegendo seu candidato ao governo e mais o ex-presidente Itamar Franco para a segunda vaga do Senado, Lula foi em socorro de Hélio Costa, do PMDB, candidato de sua coligação, e para tal resolveu ameaçar os prefeitos que apoiam Antonio Anastasia.
Disse explicitamente que não será um candidato do DEM ou do PSDB que conseguirá trazer do governo federal petista as melhores verbas para Minas.
A linguagem de cabo-eleitoral estava na boca de quem pode concretizar a ameaça, neste e num próximo governo petista.
Uma atitude antirrepublicana a coroar tantos procedimentos aéticos cometidos pelo presidente da República durante a campanha eleitoral.
A reação negativa que provocou nos políticos mineiros, ciosos de seus compromissos com o estado a ponto de rejeitarem a candidatura Serra por a imaginarem em oposição aos interesses de Minas, foi imediata e pode se refletir em uma rejeição também ao PT.
Esse procedimento autoritário já acontecera em outros estados em que a oposição está vencendo, como quando disse em Santa Catarina que é preciso “extirpar o DEM”, ou quando, em Pernambuco, foi grosseiro com o ex-vice-presidente Marco Maciel chamandoo de “marco zero”, ou quando vai ao Rio Grande do Norte espezinhar especificamente o senador José Agripino Maia, do DEM.
Como sempre nessas ocasiões, o presidente Lula extrapola a luta partidária para se colocar em uma arena em que a regra é matar ou morrer, e para tanto se utiliza dos instrumentos do governo, como a TV estatal que filma todos os seus comícios para uso interno, ou as inaugurações improvisadas para estar à noite, “fora do expediente”, nos comícios de sua candidata previamente marcados em combinação com a agenda oficial.
Com seu comportamento marcadamente antirrepublicano, abusando do poder político que a presença eventual na Presidência da República lhe dá, e das regalias que o cargo lhe concede, Lula vai manchando essa campanha eleitoral e a provável vitória da candidata oficial.
E se irrita com os meios de comunicação que não se submetem a seus caprichos absolutistas, invertendo o sentido da História, como, aliás, é seu hábito fazer.
Ao discursar num comício ao lado da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, em Campinas, sábado passado, Lula vituperou contra jornais e revistas que, segundo ele, “se comportam como se fossem partido político”, e chegou ao auge de seus delírios de grandeza ao afirmar que ele, sim, formava a “opinião pública”.
Usou o plural majestático “nós” para se referir a si próprio e aos presentes ao comício como “a opinião pública", que não precisa mais de “formadores de opinião” para se decidir.
Nas duas ocasiões — quando se dispõe a aniquilar a oposição e quando fala mal dos meios de comunicação — Lula está renegando suas próprias palavras, o que também já se tornou um hábito.
Ao final da campanha de 2002, vitorioso nas urnas, Lula fez questão de, em seu primeiro pronunciamento público, ressaltar que “a Justiça Eleitoral e a participação imparcial do presidente Fernando Henrique Cardoso no processo eleitoral contribuíram para que os resultados das eleições representassem a verdadeira vontade do povo brasileiro”.
Já com relação à imprensa, o presidente Lula, em 3 de maio de 2006, conforme relembrou em nota de protesto a Associação Nacional dos Jornais, declarou ao assinar a declaração de Chapultepec, um compromisso com a liberdade de expressão, que devia “à liberdade de imprensa do meu país o fato de termos conseguido, em 20 anos, chegar à Presidência. Perdi três eleições.
Eu duvido que tenha um empresário de imprensa que, em algum momento, tenha me visto fazer uma reclamação ou culpando alguém porque eu perdi as eleições.” Ao declarar que ele sim representa a “opinião pública” junto com o seu povo, o presidente Lula tenta inverter os termos da equação, distorcendo a própria gênese da “opinião pública”, ligada ao surgimento do Estado moderno no século XVIII, quando as forças da sociedade passaram a exigir espaço para suas reivindicações contra o absolutismo do reinado.
O papel da imprensa foi fundamental para que a “opinião pública” tivesse condições de se manifestar e enfrentar o poder absoluto dos reis.
A popularidade de Lula hoje lhe dá essa sensação de poder absoluto. Daí a desqualificar a grande imprensa e querer influenciar diretamente o eleitorado, sobretudo o das regiões mais pobres do país, através dos programas assistencialistas, e a tentativa de controle da mídia regional através de verbas de publicidade.
Da mesma maneira que aperfeiçoou e modernizou os instrumentos de controle dos oligarcas, se aliando com eles para influenciar o eleitorado com seus programas assistencialistas, Lula quer controlar os meios de comunicação através de financiamentos diretos, subsídios e propaganda governamental.
Para os que não se submetem a essa política, fica cada vez mais evidente que um eventual governo Dilma vai tentar aprovar no Congresso uma legislação especial que permita o controle dos meios de comunicação através dos mais diversos “conselhos”, o chamado “controle social da mídia”, a exemplo do que já acontece na Venezuela de Chávez e a Argentina dos Kirchner está tentando.
A reação desmesurada da candidata oficial a uma reportagem do jornal “Folha de S. Paulo” que mostrou problemas em sua gestão à frente de uma secretaria no governo do Rio Grande do Sul dá bem a medida de sua tolerância à livre circulação de notícias críticas.