O Estado de S. Paulo - 25/08/2010
Não é uma tradução perfeita dos fatos a versão de que o PT não canta vitória desde já de modo explícito por respeito à decisão do eleitor em 3 de outubro ou porque tenha medo da "desmobilização da militância".
Houvesse alguma reverência às urnas Dilma Rousseff pediria votos no lugar de se proclamar "presidenta" do Brasil por onde quer que vá ultimamente.
O receio de o entusiasmo da tropa se esvair tampouco é real, pois o que alimenta o engajamento é algo que não se esgota: ambição. Por poder, dinheiro ou posições.
Nem por isso deixa de ser genuína a ordem unida na campanha governista para que se ponha um pé no freio das comemorações antecipadas.
Não por dúvida, pois naquela seara ninguém as tem. Aliás, há que se registrar: nunca houve incerteza, a despeito do óbvio e reconhecido (pelos próprios governistas) desnível de qualificação entre o candidato da oposição e a candidata da situação.
A respeito dessa diferença dá testemunho a necessidade de remodelagem física e psicológica da candidata, submetida a um intensivo treinamento de fala amena e pensamento concatenado, além da maratona de embelezamento semelhante à que se submetem senhoras desesperançadas em programas de televisão.
O medo é que uma vez considerada a parada ganha, os vários setores engajados comecem a discutir o futuro. Melhor dizendo, a realidade.
Deixem de lado a fantasia montada para a campanha - onde a candidata é o que o modelo perfeito exige e não o que é de fato - e já desenhem um cenário com rascunhos do que seria no governo Dilma.
A fim de que se evite algo parecido neste momento de campanha é que é crucial que o PMDB contenha seu apetite e pare de falar nos porcentuais da partilha de cargos.
O aprofundamento desse assunto poderia ensejar digressões a respeito do loteamento da administração pública.
Lembrando que a candidata jamais disse uma palavra negativa sobre o sistema fisiologista de relações entre Executivo e partidos aliados. Afirmou no Jornal Nacional que a adoção da prática pelo PT era sinal de "amadurecimento" do partido.
Poderia também estimular simulações das disputas entre um PMDB que se diz "protagonista" e um PT que diz por aí que livre do jugo de Lula terá muito mais desenvoltura e influência no poder. Tais ensaios poderiam incentivar questionamentos sobre a experiência e o conhecimento que a candidata tem nesse ramo.
Haveria mais curiosidade para destrinchar o pensamento da "presidenta", conhecê-la melhor, suas reações a cobranças profundas, a pressões e tensões.
Isso antes de Dilma ser eleita o governo não deixará acontecer para não quebrar o encanto da fábula que ora conta ao País. Não pode correr o risco de se trocar o cenário de maravilhas dos palanques (reais, oficiais e eletrônicos) por um ambiente em que os dois principais partidos da coligação já se engalfinhem pelo poder.
Se o PMDB falar muito provocará, é claro, reação imediata no PT. Por isso é que os pemedebistas desmentem agora querer o que sempre assumiram querer: mando total nos ministérios, comando no Congresso, influência no núcleo de poder e muitos, mas muitos cargos mais.
No armário. PT e PSDB prometeram divulgar novas versões dos programas de governo de seus candidatos a presidente.
Os tucanos disseram que substituiriam os dois discursos de José Serra registrados na Justiça Eleitoral a título de programa pela divulgação ponto a ponto de uma elaboração construída a partir de sugestões via internet.
Os petistas asseguraram que trocariam o documento aprovado em congresso do partido por uma proposta conjunta das legendas aliadas a Dilma Rousseff.
Até agora ambos estão deixando o dito pelo não dito. Pelo visto consideram desnecessário cumprir as promessas.
Dá um trabalho danado e não vale a pena porque o assunto não é mais destaque no noticiário. Se voltar por algum motivo a ser, dirão que as propostas estavam "em elaboração".