sábado, julho 24, 2010

Omitir-se perante as Farc é crime:: Clóvis Rossi

FOLHA DE S. PAULO

O que é necessário é discutir a relação do grupo com o narcoterrorismo em escala mundial

Se verdadeira, é risível a intenção do governo brasileiro de deslocar da OEA (Organização dos Estados Americanos) para a Unasul (União Sul-Americana de Nações) o debate sobre o conflito entre a Colômbia e a Venezuela.

Risível porque a Unasul está até mais paralisada do que a OEA, justamente pela absoluta incapacidade de interferir no conflito, todas as vezes que alguma de suas facetas foi levada à instituição sul-americana.

A única coisa realmente séria a fazer nesse caso é exigir do presidente Hugo Chávez que se defina claramente a respeito de suas relações com as Farc (que involuiu de guerrilha de camponeses para o narcoterrorismo).

Comecemos por mostrar a relação Farc/drogas, conforme relatado no livro "As Farc - Uma Guerrilha sem Fins?", de Daniel Pécaut, diretor de estudos na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris). Trata-se de uma obra tão objetiva quanto é possível ser ao lidar com assunto tão explosivo.

Escreve Pécaut que as Farc admitem apenas cobrar dos plantadores da folha de coca o "gramaje", pedágio em troca da proteção que lhes davam.

"ECONOMIA DA DROGA"

Mas na realidade vão além: fazem a intermediação entre os plantadores e os traficantes, claro que em troca de comissão; vigiam as pistas de pouso e os laboratórios clandestinos, com participação nos lucros, como é óbvio.

A partir dos anos 1990, a inserção do grupo "na economia da droga foi além em certas localidades". Em Guaviare, gerem diretamente a produção de grandes áreas de plantio, que podem chegar a quase cem hectares, bem como a venda aos traficantes.

Mais: entraram diretamente no coração do negócio, que é o processamento da folha para transformá-la em cocaína. "Desse modo, inserem-se plenamente no tráfico", conclui Pécaut.

Muito bem. Agora, vejamos o que diz Chávez desse grupo: em discurso na Assembleia Nacional de janeiro de 2008, o presidente venezuelano definiu as Farc como "forças insurgentes que têm um projeto político", às quais "é preciso dar reconhecimento".

Se merecem reconhecimento, nada mais natural que dar-lhes ajuda financeira e abrigo. É bom lembrar que a Interpol reconheceu a autenticidade de mensagens encontradas nos computadores de Raúl Reyes, líder das Farc morto em ataque colombiano a acampamento no Equador, junto à fronteira. Nelas, Reyes mencionava ajuda financeira da Venezuela, bem como sua intermediação para obtenção de armas.

O PROBLEMA É OUTRO

Tudo somado, fica claro que o problema não é a Colômbia, mas as Farc. Por extensão, é também o tratamento que os governos da região querem dar a elas. Como o narcotráfico é uma empresa global, combatê-lo exige respostas globais ou, ao menos, regionais.

É impossível dar uma resposta regional se um governo as trata como "forças insurgentes que têm um projeto político", quando, na realidade, se trata de narcoterroristas.

Não adianta o Brasil se esconder na omissão. Narcotráfico é um problema de segurança nacional. Omitir-se é ser cúmplice.