domingo, julho 18, 2010

O cadáver e o Messias -Clovis Rossi

Folha de S Paulo

SÃO PAULO - O presidente Hugo Chávez tem todo o direito de tentar
implantar na Venezuela o tal socialismo do século 21, ainda que, cada
vez mais, incida no autoritarismo e na ineficácia que sepultaram o
modelito século 20.
Não tem, no entanto, o direito de respaldar as Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia), grupo narcoterrorista.
Nem importa tanto saber se é verdadeira ou não a mais recente denúncia
do governo da Colômbia que deu até as coordenadas completas de
acampamentos do grupo na Venezuela. Chávez já disse, tempos atrás, que
"respeita" o projeto político das Farc.
Quem respeita um projeto narcoterrorista não merece respeito.
Por incrível que pareça, nem o vínculo com as Farc assusta tanto
quanto as esquisitices de Chávez. A mais recente: mandou exumar os
restos mortais do libertador Simón Bolívar para investigar se morreu
mesmo de tuberculose (versão oficial) ou foi assassinado.
As mensagens no Twitter em que anunciou a exumação que testemunhou são
de arrepiar qualquer pessoa sadia:
"Alô, meus amigos. Que momentos tão impressionantes vivemos esta
noite. Vimos os restos do grande Bolívar."
Depois: "Confesso que choramos. Digo a vocês: tem que ser Bolívar este
esqueleto glorioso, pois pode-se sentir sua chama. Deus meu. Cristo
meu".
Deus meu, Cristo meu, digo eu, caramba. Se alguém aparecer de repente
na praça da Sé com a Bíblia na mão e esse discurso messiânico (ou
necrófilo?), vira folclore. Não faz mal a ninguém, a não ser a ele
próprio. Diverte os transeuntes.
Mas, se o cidadão com essa mentalidade é presidente da República, Deus
meu, Cristo meu, transforma-se em um perigo ambulante. Não diverte
ninguém, salvo sua corte. Menos ainda diverte os que são seus sócios
no Mercosul.