quinta-feira, julho 08, 2010

MERVAL PEREIRA Coligações de fantasia



O Globo - 08/07/2010

Mais uma vez o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se vê pressionado por líderes partidários por decisão que toma às vésperas de eleições. Seu presidente, ministro do STF Ricardo Lewandowski, foi procurado por uma comissão de políticos que reclamou da regra que obriga a verticalização da propaganda eleitoral

Depois de ter sido aprovada pelo tribunal, determinando que candidatos a governador e senador só exibam um presidenciável em suas campanhas na televisão, caso nenhum partido de sua aliança estadual integre nacionalmente a chapa de outro presidenciável, a regra foi colocada sub judice e será reavaliada no retorno do recesso do Judiciário, em agosto.

Embora tenha a intenção de organizar a bagunça das alianças partidárias, a regra é inviável justamente devido à falta de coerência das coligações.

No Rio de Janeiro, por exemplo, o PV faz parte de uma coligação que tem José Serra como candidato a presidente, mas a candidata do PV é Marina Silva.

Pela regra, o candidato do PV a governador, Fernando Gabeira, não poderá fazer campanha para Marina Silva na televisão; nem Cesar Maia, do DEM, poderá fazer a campanha de José Serra.

Serra não teria espaço no horário gratuito nem em São Paulo, onde o candidato ao governo, Geraldo Alckmin (PSDB), está coligado com o PHS. Por via das dúvidas, Oscar Silva, candidato do PHS, desistiu, assim como Américo de Souza, do PSL.

Já o governador Sérgio Cabral (PMDB), que é coligado com o PTB, ficaria impedido de aparecer ao lado da petista Dilma Rousseff, pois o PTB está coligado nacionalmente com o PSDB.

Neste ano, além de Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, um partido pequeno, mas com base programática reconhecida e representatividade no Congresso, vários candidatos considerados “nanicos” concorrerão, no maior número desde 1989: Ciro Moura (PTC), Mario de Oliveira (PTdoB), Ivan Pinheiro (PCB), Zé Maria (PSTU), Levy Fidelix (PRTB), Rui Costa Pimenta (PCO) e José Maria Eymael (PSDC).

Nos estados, muitos desses pequenos partidos têm coligações que ficariam impossibilitadas de exibir seus candidatos a presidente.

Não é a primeira vez que o TSE tenta organizar as coligações partidárias, dando-lhes alguma coerência. Em 2006, legislou às vésperas da eleição determinando a “verticalização” das coligações a partir do candidato a presidente.

Na ocasião, o ministro Marco Aurélio Mello queria que mesmo os partidos que não tinham candidato a presidente fizessem coligações simétricas em todos os estados onde se coligassem.

Mas a decisão do TSE, como agora, não resistiu à pressão política. Bastou que um trio de senadores de peso — Antonio Carlos Magalhães, José Sarney e Renan Calheiros — fosse ao tribunal para que a mesma unanimidade que aprovara a mudança mudasse a decisão dois dias depois.

Há diversas teorias para a existência das chamadas “coligações transversais” na política brasileira, sempre ressaltando o tamanho do país e as organizações políticas estaduais muito fortes, e a presença do governo central como ponto de atração das forças políticas, uma tradição dos tempos da colonização portuguesa.

Mas o fato é que, com a verticalização e a adoção das cláusulas de barreira, estávamos à beira de ter, talvez por caminhos tortuosos, um sistema partidário menor e mais organizado.

Mas ambas as iniciativas, depois de aprovadas pelo Congresso, foram abortadas, sendo neutralizadas por jogadas políticas ou decisão do próprio TSE.

A da cláusula de barreira, que exigia uma votação mínima para que o partido tivesse representação no Congresso, foi aprovada com dez anos de antecedência, para que os partidos se preparassem; mesmo assim, quando deveria entrar em vigor, foi cancelada.

A miscelânea partidária, que tem mais a ver com minutos de televisão na propaganda eleitoral gratuita do que com programa de governo, ficou evidente agora que uma nova legislação obriga, pela primeira vez, os candidatos a presidente, governador e prefeito a registrarem no TSE seus programas de governo.

A iniciativa foi do deputado federal do PSDB do Rio Otavio Leite, que pretende ampliá-la mais adiante para os candidatos a cargos legislativos.

Ele acha que essa nova regra há de ser pedagógica. “O debate para a construção de propostas de governo é possível que venha a existir. Os candidatos terão que pensar duas vezes o que prometem”.

Na interpretação de Otavio Leite, os candidatos que não cumprirem suas promessas de governo “podem até sofrer um processo de recall em caso de explícita contradição diante do que defenderam na campanha”.

Mesmo que a figura do recall não exista na nossa legislação — a possibilidade de os eleitores rejeitarem, através de uma votação extra, um representante eleito que não cumpriu suas promessas ou teve desvio de conduta — o deputado Otavio Leite diz que “há fundamentos jurídicos sólidos para isso, afinal houve o registro formal”.

Já tivemos um exemplo claro de como as coligações partidárias são “para inglês ver”.

O candidato a presidente do PSDB, José Serra, enviou para registro no TSE dois discursos seus, que podem conter suas ideias gerais sobre as mais variadas questões, mas nem de longe representam um programa de governo.

O PT fez pior: simplesmente ignorou o programa partidário que o PMDB havia lhe apresentado e registrou no TSE seu próprio programa, aprovado em convenção nacional.

De clara tendência esquerdista e radical, esse programa foi rejeitado pelo PMDB na ocasião da sua aprovação, e agora o PT teve que retirálo para, em seu lugar, colocar uma série de compromissos vagos e improvisados que mantêm alguns pontos polêmicos como o “controle social da mídia”.

Mas não há dúvida de que essa exigência acabará fazendo com que os candidatos e seus partidos se preocupem mais com o programa de governo.