EDITORIAL - O GLOBO
- 21/07/10
Ao assinar a medida provisória com benefícios financeiros para as cidades que sediarão jogos da Copa de 2014, o presidente Lula alertou para o risco de a organização do Mundial repetir os erros registrados nos Jogos PanAmericanos de 2007, no Rio. Na época, os atrasos nas obras (de construção ou de reformas das praças esportivas, no sistema viário e na rede de transportes), o planejamento tíbio e a falta de articulação entre os governos federal, estadual e municipal levaram a União a aumentar para R$ 2 bilhões sua participação nos gastos com a competição, inicialmente orçada entre R$ 400 milhões e R$ 600 milhões.
A advertência é justificada, mas está com o prazo de validade vencido. O Brasil ganhou o direito de promover a Copa há três anos, e até agora os passos dados — ou que deixaram de ser dados — indicam que, se o roteiro do Mundial não for radicalmente alterado, o país promoverá um novo e mais encorpado Pan, naquilo de mais condenável que se registrou em todo o processo de organização dos Jogos do Rio.
A começar pelo tamanho do aporte financeiro, sob quaisquer rubricas, do governo federal. Se no Pan a participação da União aumentou de quatro a cinco vezes entre o resgate do caderno de compromissos e o fim da competição, desta vez Brasília deixará espetada no bolso do contribuinte uma fatura dez vezes maior do que a dos Jogos cariocas.
Pior: isto, depois de a CBF ter garantido que o Mundial seria feito com recursos privados.
Assim como a promessa do hexa na África não passou de uma bravata, o ideal de uma Copa que convocasse o empreendedor privado não está passando de um devaneio, devido a uma equação bem conhecida no Brasil, cuja fórmula foi aperfeiçoada no Pan: quanto mais os prazos para as obras encolhem, maior é a distância do capital privado e, na mesma medida, maior a necessidade de recurso ao socorro oficial.
Não se questiona a participação do poder público num evento que há de trazer divisas para o país. Mas é deplorável que, depois de três anos, as verbas sejam preferencialmente de fontes oficiais. Neste jogo em que se desenha, outra vez, uma corrida aos cofres públicos para saldar compromissos, é preocupante o desconhecimento de critérios de um socorro financeiro que libera créditos para construção/reforma de estádios sem que se saiba sequer qual a dimensão das obras. A mesma falta de transparência encobre a retirada do Morumbi da Copa — e corre-se o risco de legar ao maior estado da Federação apenas jogos de médio porte.
Mais grave ainda do que a questão dos estádios é a dos aeroportos. Anunciam-se créditos de R$ 5,6 bilhões para o setor, mas sem que se fale em mudar o sistema de administração dos terminais, controlados pela Infraero, uma estatal cobiçada pelo clientelismo, e hoje o maior entrave ao sucesso da Copa.
Injetar mais dinheiro na incompetência estatal, apenas por interesses políticos da máquina companheira do Planalto, é dar combustível para um desastre administrativo.
Diante das críticas aos atrasos, Lula argumenta que era preciso tempo para escolher as cidades-sede e discutir reformas e construção de estádios. Mas a questão dos aeroportos já poderia ter sido resolvida desde o anúncio da Copa no Brasil.
É um erro que o Mundial seja feito preferencialmente com dinheiro público