sexta-feira, maio 14, 2010

Medo de contágio pode explicar medida Vinicius Torres Freire

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/05/10

O governo toma vacina

Corte de gasto parece mais tentativa de desfazer impressão de que país
vive bolha e de que tem "vício grego"

É TÃO inusitado o corte de despesas que o governo Lula anunciou que a
história ainda dá o que pensar. É inegável que a medida é também
sensata, sob vários aspectos. Logo, qual o problema? Entender
claramente o motivo da medida.
Os ministérios da Fazenda e do Planejamento dizem que o objetivo é
evitar o superaquecimento da economia, o decorrente aumento da
inflação e, assim, altas maiores de juros da parte do Banco Central.
Há estimativas, como a dos economistas do Itaú Unibanco, de que a
economia tenha crescido ao ritmo anualizado de 12% no primeiro
trimestre de 2010 (ou 8,5%, segundo o governo).
Mas quando o governo "descobriu" que o excesso de gastos públicos
provocaria outros exageros na economia? A reviravolta do governo
parece estranha pelo seguinte:
1) Pelo menos desde 2005, praticamente não houve coordenação entre
política monetária (juros) e fiscal (gastos e impostos). Isto é,
enquanto o governo gastava, estimulando a demanda, ou baixava juros do
BNDES, o BC agia para conter o crédito, elevando juros ou os mantendo
na Lua. Um desperdício de energia e de dinheiro, muito dinheiro. O que
mudou agora?
2) O governo promoveu aumentos permanentes de gastos durante 2009
inteiro e ainda no começo deste ano. Quando caiu a ficha do excesso de
gastos?
3) Até março, e ainda depois disso, com menos ênfase, o Ministério da
Fazenda dizia que a inflação era "transitória", devida a um ou outro
choque de preços passageiro;
4) O corte anunciado não parece suficiente nem ao menos para o
cumprimento da meta de superavit primário deste ano, de 3,3% do PIB
(isto é, o quanto o governo vai poupar, descontada a despesa com
juros). Vai haver mais cortes? O governo vai divulgá-los a
conta-gotas?
5) A contenção de gastos vai ter escasso efeito, se algum, sobre a
inflação e sobre a alta de juros deste ano.
A reviravolta da Fazenda e do Planejamento é, pois, algo esquisita. O
que houve de novo de dois, três meses para cá? Isto é, que motivo novo
influencia a mudança de rumo?
Evidentemente, e isso é reconhecido pela própria Fazenda, agora, a
economia está crescendo acima das expectativas de todo mundo, do
mercado a Brasília.
Em segundo lugar, os resultados fiscais (superavit) do governo federal
foram fracos no início do ano. Para piorar, o Congresso se sente à
vontade para estourar a boca do cofre. Estava mais do que na cara que
o governo teria (terá?) de fazer mágicas e milagres contábeis para
fechar as contas na meta (meta para inglês ver, caso se considerem
como poupança os investimentos do PAC).
Terceiro, houve o tumulto greco-europeu. A sangria da crise da dívida
da União Europeia está remediada com um esparadrapo de quase US$ 1
trilhão, mas não acabou. Ainda há vítimas potenciais na fila da
insolvência. Países com contas mais em ordem podem conseguir, no
mínimo, uma vacina contra epidemias financeiras.
Talvez o susto maior tenha vindo daí, do medo de contágio: de passar a
impressão de que havia uma bolha de crescimento e de que as contas
fiscais se encaminhassem para o vinagre.