quinta-feira, abril 22, 2010

Sinais contraditórios EDITORIAL - O GLOBO

22/04/10

Atrajetória política de Luiz Inácio Lula da Silva, culminando com a eleição e reeleição à Presidência do Brasil, mereceu amplo reconhecimento e admiração internacionais. Sua disposição para cobrar de outros líderes soluções para problemas espinhosos, como a pobreza, mas de maneira afável, chegou a levar o presidente americano Barack Obama a chamá-lo de "o cara" numa reunião internacional.

É fora de dúvida que o Brasil, por força da manutenção pelo governo Lula da política econômica do governo anterior, mais no primeiro mandato do que no segundo, atravessou satisfatoriamente a crise mundial, fazendo crescer a importância relativa do país. Ele se fortaleceu no grupo dos Bric, com Rússia, Índia e China, os mais bem-sucedidos países emergentes.

Mas começou a aparecer um ponto falho nesse panorama — o caráter errático da política externa brasileira. Um dos primeiros episódios foi a maneira branda com que o governo Lula tratou da expropriação, pela Bolívia, das instalações de exploração e produção de gás da Petrobras nesse país. A explicação estava no companheirismo ideológico com o recémeleito Evo Morales, que falou mais alto que os interesses nacionais.

O mesmo argumento vale para o apoio do governo Lula à cada vez menos disfarçada ditadura de Hugo Chávez, na Venezuela, onde, segundo Lula, "há democracia demais" e, segundo seu assessor especial para política externa, Marco Aurélio Garcia, "há liberdade de imprensa".

Repercutiu muito mal, em todo o mundo, o fato de Lula ter dado apoio incondicional à ditadura castrista, em Cuba, no episódio da morte por greve de fome do dissidente Orlando Zapata. O presidente brasileiro chegou a culpar a vítima.

A crise de Honduras deixara clara a prática, pela diplomacia brasileira, de dois pesos e duas medidas. No caso hondurenho, o Brasil se bateu pelo estrito cumprimento de preceitos democráticos que haviam se tornado inúteis, em contraste com o apoio a ditaduras como a cubana. É que em Honduras o interesse de Chávez coincidia, circunstancialmente, com a manutenção de certas regras democráticas.

E Chávez é compañero.

A companhia dos irmãos Castro, Hugo Chávez, Evo Morales e outros do mesmo time explica a opção brasileira por uma política externa de cunho terceiro-mundista, que recende a antiamericanismo esquerdista pueril e conflita com o novo papel do país, com uma economia dinâmica e avanços palpáveis na área social, em função do próprio governo lulista. O "Itamaraty do B", que comanda essa vertente da diplomacia, garante seu caráter esquizofrênico.

Com isso, o Brasil tornou-se um dos pouquíssimos aliados da ditadura militar-clerical do Irã na questão da aplicação de novas sanções da ONU ao país por conta de seu programa nuclear.

O Brasil prefere dar a Teerã o benefício da dúvida, quando todas as indicações são de que o regime dos aiatolás desenvolve armas atômicas.

Para o jornal britânico "Financial Times", "gafes recentes mudaram a imagem açucarada do Brasil e do seu presidente também. A política arcoiacute;ris do Brasil pode estar atingindo seu limite e poderia pôr em risco a vaga permanente no Conselho de Segurança que o país cobiça". Lula rebateu que o Brasil deixou de lado o "complexo de vira-lata" e que essa postura "gera ciúmes de inimigos". Mas, nitidamente, as contradições da política externa brasileira representam um grande risco para a tradição de eficiência, profissionalismo e confiabilidade de nossa diplomacia.

"Itamaraty do B" comanda viés esquerdista que põe credibilidade do país em risco