O Estado de S.Paulo
Agora que os candidatos caíram na estrada, que a fritura de Ciro Gomes se consumou e a integração ativa de Aécio Neves à campanha tucana parece favas contadas, é hora de perguntar o que nos reservará a eleição presidencial.
Em termos de marketing eleitoral, há poucas margens para novidades. Pode-se esperar maior "judicialização" da área, dada a sofreguidão jurídica com que os comandos deverão se atacar reciprocamente. Muito esforço também será despendido para enquadrar os candidatos no padrão dos marqueteiros. Discursos arrumados, caras e bocas, frases de efeito, gestos simbólicos essenciais, concentração total para o momento da televisão - afinal, a imagem e a performance decidirão muita coisa. Ver-se-á quão à vontade os candidatos se sentirão e que constrangimentos terão ao se verem forçados a falar e fazer o que não gostariam. Também será repetitivo o jogo de maior ou menor truculência que se travará para demonstrar ao eleitor que os candidatos são distintos, ou seja, para fixar a identidade de cada um. Isso pelo menos no ringue principal, em que se defrontarão PT e PSDB. O plebiscito é um expediente estranho à democracia e empobrece qualquer eleição. Mas as circunstâncias acabaram por impô-lo. Ele tenderá a levar o embate para territórios menos importantes, a personalizá-lo um pouco mais e a fazer com que o nível do debate oscile para baixo.
Mas é preciso reconhecer desde logo que tanto Serra quanto Dilma têm procurado construir bases de respeito mútuo, ainda que com alguns escorregões, que também são inevitáveis. Teremos de ver como se comportarão quando a temperatura subir. Mas já é um bom começo constatar que conseguem se cumprimentar em público e referir-se um ao outro em tom elevado.
As campanhas invadirão o mundo virtual, as eleições serão "norte-americanas"? Tomara que sim, porque será uma forma de a política se aproximar do cotidiano. Porém, dada a natureza eminentemente anárquica das redes, pode-se esperar que o vale-tudo será pesado. Um passeio pelos ambientes do Twitter é revelador. Boatos, notícias plantadas ou amplificadas, movimentos mais ou menos sintonizados de desconstrução de imagens ou propostas, o céu como limite. Para enriquecer a democracia, campanhas eletrônicas requerem eleitores politicamente educados, preparados para ver além da fumaça e da neblina, ou seja, para ligar de modo coerente o que é despejado segundo lógicas hipertextuais. Não é só uma questão de saber se os eleitores estão conectados em tempo integral.
Os ativistas e coordenadores da área poderão exibir habilidades técnicas inusitadas, agir como feras internáuticas, mas pouco produzirão se não conseguirem agregar valor ético e político aos seus tweets e, por esse caminho, ajudarem a educar a cidadania, facilitando o debate substantivo. Este o ponto: Em que as campanhas emergentes contribuirão para oferecer aos brasileiros um esboço de seu futuro? Teremos uma disputa minimamente programática, em que ideias serão postas à mesa e servidas como iguarias? Ou teremos de nos contentar com coisas mais frugais, quem sabe com sobras de épocas mais fartas?
Sempre se pode esperar que a qualidade prevaleça sobre a quantidade, ainda que em condições difíceis. O País se defronta com uma agenda complicada, que requer concentração de energias, coesão política e compromissos claros. Os candidatos poderão contribuir muito se derem bons exemplos: se falarem com clareza de seus planos e metas, explicando aos cidadãos como multiplicarão os peixes, como farão para que todos ganhem e ninguém, pobre ou rico que seja, saia perdendo. A união do País talvez seja a chave que abrirá as portas do futuro: Como alcançá-la sem que as feridas causadas em inimigos e adversários sejam sangrentas demais a ponto de impedir a cicatrização? Isto também significa saber fazer escolhas: destacar o fundamental, por mais amargo que seja. Falar claramente, por exemplo, a respeito de Estado e de desenvolvimento, esses quase irmãos siameses da modernidade.
No caso do Estado, há indícios de que os candidatos apresentarão um desenho do que pretendem fazer com ele. Afinal, deixamos para trás a era FHC sem que a era Lula tenha recuperado o tema. Permanecemos na mesma, mas agora, em circunstâncias bem mais "estatais", não há como fugir do assunto. Para além do discurso fácil de que se necessita de mais "intervenção", de Estado "mais forte" e "ativo", o decisivo será estabelecer com clareza os parâmetros da atividade estatal reguladora, que é de fato a que importa e decide tudo nestes tempos de vida líquida. Não ganharemos se a discussão ficar estacionada no terreno fiscal-financeiro, atrelada ao custo do Estado ou a seu tamanho. Nem sequer bastará a contraposição mecânica de Estado e mercado, por mais que se saiba que temos aí uma das grandes tensões da vida contemporânea. Precisamos de uma ideia clara seja do Estado administrativo de que o País necessita, seja do Estado político - o que produz e garante a comunidade política - sem o qual a cidadania não pode avançar. Da combinação inteligente dessas duas faces do Estado (sem esquecer a face jurídica) nascerão as políticas sociais qualificadas para construir um país melhor.
O mesmo vale para o desenvolvimento. Encher a boca para dizer que precisamos fazer a economia crescer e gerar mais empregos é jogar para a plateia. Não acrescenta nada ao que se sabe e, para piorar, não esclarece o fundamental: Como desenvolver sem agredir a natureza, sem sufocar os pequenos produtores, sem massacrar os trabalhadores e sem reduzir a economia a um sistema de mercadorias desprovido de preocupação social? Não indica também que pacto ético-político-social dará sustentação a um projeto de desenvolvimento de novo tipo, que precisamente por ser de novo tipo será muito mais complexo e desafiador. Sem algo nessa direção, os eleitores ficarão a ver navios. E perderemos uma oportunidade.