O Globo - 18/03/2010
Com o sucesso da passeata promovida pelo governo do Rio contra a mudança da regra de distribuição dos royalties do petróleo, e restabelecida a aliança com São Paulo, que, através do governador José Serra, posicionouse firmemente contrário a uma solução que destrua a economia do Rio e do Espírito Santo, chegou o momento de voltar à mesa de .negociações.
Os governadores do Rio, São Paulo e Espírito Santo voltaram a se alinhar na mesma posição, como estavam alinhados no início da discussão sobre os royalties do pré-sal para forçar o governo a aceitar que não fossem alteradas as regras de áreas já licitadas.
Esse compromisso foi assumido pelo presidente Lula, na presença dos ministros Edison Lobão, Nelson Jobim, Dilma Rousseff e Franklin Martins, em uma reunião no Palácio da Alvorada. O projeto do deputado Ibsen Pinheiro fez desandar o acordo.
O governador Paulo Hartung, do Espírito Santo, que veio ao Rio para a passeata, desde o início dos debates acha que a grande solução é política, não jurídica. Para ele, a discussão de mudança de modelo deveria ser o ponto central, "mas ninguém quis debatê-la".
Com a sinalização de que a discussão sobre alteração do sistema de concessão para o de partilha — "uma mudança profunda, cujos resultados não são previsíveis" — pode ser retomada, na linha do que defende o senador Francisco Dornelles, Hartung coloca a política à frente das questões jurídicas.
"O sistema anterior (de concessão) funciona muito bem, é um sistema vitorioso, ele é que nos trouxe ao pré-sal e à autossuficiência".
Para Hartung, não pode haver discussão sobre os royalties do pós-sal e das áreas do pré-sal já licitadas, "uma receita que já está em curso".
Uma mudança desse tipo "quebraria os laços de solidariedade federativa no Brasil", define o governador, para quem essa solidariedade federativa "é um ponto forte" na estrutura do país.
Ele exemplifica com o fato de que os estados aceitam pagar impostos para ir para o Nordeste, para o Norte, para o desenvolvimento regional.
"O Fundo de Participação dos Estados e Municípios é distribuído desigualmente, dando mais para quem tem menos, e isso foi aceito pelo país. É o retrato da solidariedade federativa".
Ao contrário, ressalta Hartung, "se você mexe em coisas que estão em produção, que já estão nos orçamentos públicos, rompe os laços de solidariedade".
Mas ele admite negociar a parte não explorada dessa riqueza nova, e diz que "é em cima dela que temos que produzir um acordo".
O governador do Espírito Santo acha que partilhar essa nova riqueza com o Brasil, "um país carente de tudo", faz todo sentido, assim como também é necessário dar um tratamento diferenciado aos estados produtores.
"Dizer que a exploração não tem impacto não é verdade.
Macaé virou um bolsão de oportunidades, mas também de pobreza. É gente do país inteiro que se desloca para lá, exigindo investimentos em emprego, unidades de saúde, escolas, problemas de segurança pública".
Hartung acha que o presidente Lula, que foi o padrinho do acordo, tem que reassumir essa negociação.
Mas vê uma oportunidade para a retomada do diálogo, pois os apoiadores da mudança "foram com tanta sede ao pote que quebraram o pote", criando uma situação tão absurda que agora tem que ser consertada.
Na questão jurídica propriamente dita, o secretáriochefe da Casa Civil do Governo do Estado do Rio, Regis Fichtner, rebate a ironia de Ibsen Pinheiro de que o mar territorial seria da União, e que o máximo que o estado poderia usufruir seria a vista do mar, com a decisão unânime do Supremo na ADI 2080-3, de fevereiro de 2002, que decidiu pela "competência tributária dos estados e municípios sobre a área dos respectivos territórios, incluídas nestes as projeções aéreas e marítimas de sua área continental, especialmente as correspondentes partes da plataforma continental, do mar territorial e da zona econômica exclusiva".
Já o governador de São Paulo, José Serra, que carrega a fama de ser o mentor da lei que cobra o ICMS do petróleo no local de consumo, prejudicando os estados produtores, especialmente o Rio, está tentando mais uma vez recolocar os fatos nos devidos lugares.
Não foi possível cobrar na Constituinte o ICMS na origem, como era a proposta da comissão chefiada pelo hoje senador do Rio Francisco Dornelles e da qual Serra fazia parte, porque a maioria dos estados, importadores de petróleo e derivados e de energia elétrica, perderia, por terem de pagar o ICMS que não pagavam antes da Constituinte.
Na avaliação de Serra, não foi a bancada paulista que zerou a alíquota interestadual do ICMS sobre petróleo e combustíveis dele derivados, até porque São Paulo perdia com isso, pois o estado importava muito petróleo do exterior e vendia o óleo refinado, com alto valor agregado, para vários outros estados.
Reproduziu-se agora na Câmara o mesmo fenômeno ocorrido na Constituinte de 1988, com a grande maiorias dos estados se unindo contra os estados produtores de petróleo.
O fato é que o pagamento de royalties para os estados produtores foi aprovado também para compensar a impossibilidade de cobrar o ICMS na origem.
Um estudo do governo do Rio demonstra que o estado perde anualmente R$ 8,6 bilhões, porque o Imposto de Circulação de Mercadorias (ICMS) é cobrado no local de consumo, prejudicando os estados produtores de petróleo.
Esse é um ponto que tem que entrar na negociação sobre uma eventual redistribuição dos royalties do pré-sal.