quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Roberto Romano: “Segredo e censura, irmãos siameses”

BLOG PROSA & POLITICA em 17/02/2010

Um aspecto muito discutido na prisão do governador Arruda, reside no uso de um delator que filmou os malfeitos, inclusive o deboche de agradecer a Jesus os trinta dinheiros. Não se recordam os analistas, no entanto, que o mais relevante no caso foi a devassa do segredo, técnica por excelência da corrupção, algo usual em muitos dirigentes políticos nacionais. Graças aos filmes e testemunhos, o ministério público, unido à polícia, conseguiu uma série de fatos assustadores que inclinaram o juízo dos magistrados em favor da prisão. O segredo é o pior malefício de qualquer democracia. Ele decide, finalmente, a sua vida ou morte.
E. Canetti, em Massa e Poder, discute o segredo com extrema acuidade. É um paradoxo que a política, campo do que deve ser aberto aos sentidos de todos, tenha se encaminhado, na modernidade, rumo ao secreto e ali se aninhe até os nossos dias. O segredo passou a ser usado por todo político. Ele une-se ao elogio da mentira e da duplicidade. A partir da caricatura de Maquiavel, no chamado "maquiavelismo" tudo deixa de ser sagrado, inclusive a religião. Como diz um autor, "nada ajuda mais os negócios de um príncipe do que a crença de sua união com Deus". A verdade do Estado torna-se mentira para o cidadão, o que separa de modo radical o soberano dos súditos. O segredo surge nos intervalos entre o visível e o invisível. Recordo que a própria etimologia do termo "segredo" vem do latim secernere, separar, dividir, afastar.
A ruptura trazida com a instauração do Estado abre o campo para o exercício do poder, longe dos olhos e demais sentidos das pessoas "comuns". Em data recente, Luiz Inácio da Silva alegou, para acobertar malefícios de um poderoso aliado, o fato (muito discutível) de que ele não seria uma pessoa comum… Na mesma ocasião, o Senado corroía a lei com atos secretos. O segredo é o modo de proteger, simbólica ou realmente, o paranóico ou ladrão (muitas vezes as duas coisas vêm juntas) que assume o lugar do mando. Todos que a ele se opõem, proclama o tiranete, são inimigos perigosos do povo… Trata-se de uma variante terrível do famoso "L'État c'est moi", com a noção de lesa majestade. Tintas religiosas nessa experiência trazem a marca do Cristo, quando Ele surge após a ressurreição: "Noli me tangere". A pessoa do governante corrupto, em tal blasfêmia, seria intocável como a divindade, sobretudo quando se trata de revoltas contra notórias injustiças. Lula se comparou ao Cristo ainda ontem. No seu evangelho invertido, Jesus é auxiliado por Judas em acordos políticos espúrios.
A moral do governante, a partir da ruptura trazida pelo segredo, é uma outra moral. Ocorre uma assimetria entre as duas morais, a do poderoso e a do povo. Entre a moral comum e a dos poderosos há uma inversão diabólica. A distância entre ambas é incomensurável. Ela marca a emergência do segredo. O governante deve saber e ouvir tudo. O governado deve ignorar quase tudo na vida estatal. Arruda aprendeu a arrombar segredos quando violou o painel de votação, no Senado. Ali ele mentiu e depois se desculpou. Lágrimas de crocodilo brotaram de seus olhos.
Antes da ação, hoje levada a cabo pelos promotores e policiais, Arruda agiu no segredo, tudo escondendo da cidadania, tudo negando quando suspeitas eram levantadas contra ele. Instaurado o processo, ele tentou coibir ou comprar testemunhas, instalando escutas no Legislativo. Até a repressão física, inédita desde a ditadura, foi empregada para manter o segredo da corrupção.
É por semelhante motivo que todos os ditadores e corruptos odeiam a imprensa livre, pois nela os segredos são revelados. E por falar no assunto, continua a censura no jornal O Estado de São Paulo e nos blogues de Adriana Vandoni (Prosa e Política) e de Pannunzio (no Paraná). A tarefa nefasta da censura resguarda o segredo dos dirigentes corrompidos. É preciso louvar o STJ pela decisão contra Arruda. Mas é nosso dever ético exigir o fim da censura (modo de impor segredo) que desgraça o nosso País.