O Estado de S. Paulo - 20/02/2010
Economistas com visão mais ampla da realidade têm se preocupado com o retorno do Brasil à condição de dependente da exportação de produtos primários (minérios, alimentos e matérias-primas). Claro que hoje essas atividades exportadoras apresentam, em geral, níveis elevados de produtividade, uma vez que incorporaram grandes avanços tecnológicos e uso intensivo de capital. Elas garantiram grande parte do equilíbrio das contas externas, por proporcionarem saldos significativos na balança comercial. Não tivesse o Brasil grande extensão territorial, população próxima dos 200 milhões, diferenças abissais de renda, além do grande potencial de tensão social, poder-se-ia aspirar, com o retorno ao modelo de exportação primária, à condição de uma próspera Nova Zelândia tropical.
No entanto, foram justamente essas condições de território, população e desequilíbrios sociais que abriram caminho, no passado, para a industrialização acelerada do País. Ainda que tardios, a industrialização e o crescimento do mercado interno de certa forma libertaram o País da dependência gerada pelas grandes incertezas das oscilações de preços nos mercados de commodities. São esses os motivos de apreensão com relação aos modelos de desenvolvimento pautados nas exportações de commodities. Mas isso significa que se deve abrir mão do imenso potencial que tem o Brasil para fazer avançar, ainda mais, o desenvolvimento do agronegócio, da agroindústria e da mineração? Lógico que não! Não é essa a questão.
Trata-se de como aprofundar a industrialização, galgando estágios mais complexos de processos e produtos. Com isso, nossa produção industrial poderá tornar-se mais abrangente no mercado interno, assim como mais competitiva num mundo de rápidos avanços tecnológicos.
É difícil imaginar um Brasil protagonista importante no cenário mundial sem uma força industrial que alimente e seja alimentada por uma sólida base de geração de conhecimento, tecnologia e empregos qualificados. Nesse sentido, é correto falar em desindustrialização do Brasil? Não e sim. Não, se levarmos em conta a capacidade empresarial e os grandes avanços ocorridos em segmentos altamente competitivos, como por exemplo as indústrias aeronáutica, siderúrgica e petroquímica. Sim, se considerarmos a perda contínua de competitividade e a pequena incorporação de tecnologia (e não se pode culpar só o câmbio por isso) de uma imensa gama de produtos industriais.
Não é irreal imaginar que o sonho de uma bem-sucedida "neozelandização" do Brasil se pode transformar num pesadelo de "russificação" (sem que nunca o tivéssemos sido). O risco de desindustrialização existe pela desestruturação de cadeias produtivas, a incapacidade de fazer frente a produtos mundiais, a dificuldade de firmar posições no mercado globalizado e, não menos importante, a carência ou perda de capacidade tecnológica.
A grande contradição que vive o País é a de ter alcançado certo nível de maturidade econômica e institucional perante o mundo. Com isso se tornou espaço atraente (e mesmo prioritário) para oportunidades de investimento. Ao mesmo tempo, no entanto, suas infraestruturas econômicas e sociais são precárias e seus recursos humanos deficientes para os atuais padrões de evolução industrial. A questão, agora, é como coordenar ações e formular políticas consistentes.
O momento e as tendências são extremamente favoráveis: fundamentos macroeconômicos (ainda) sólidos; mercados de crédito e de capitais em expansão; crescimento do emprego formal e da massa real de salários; redução das desigualdades e da natalidade; setor privado com recursos para investir; ambiente de maior confiança; e relativa redução do custo de capital.
Portanto, a essa altura, o que não pode acontecer é a tentação de "volta ao passado". Sinalizações de regressão político-institucional, quebra de confiança no ambiente democrático, aumento da insegurança jurídica e tolhimento da iniciativa privada - com ameaças de estatização - afetarão significativamente o caminho percorrido até aqui. O risco que se corre hoje é de amesquinhar a atividade primária de alta produtividade (já ameaçada por preços) e não ingressar definitivamente no seleto grupo das grandes nações (por não alcançar um novo estágio da industrialização). Se a opção for olhar para trás e flertar com o passado, o Brasil mostrará ao mundo que, uma vez mais, não perderá a oportunidade de perder uma oportunidade.
*Josef Barat, economista, presidente do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, foi diretor da Anac