O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/02/2010
Não era esta a crise dos mercados permissivos demais, desregulados demais e abusados demais? E, no entanto, esta é a mesma crise das dívidas soberanas, dos Estados gastadores demais, endividados demais e abusados demais.
Sim, os Estados precisam colocar um cabresto firme nos bancos e nos mercados. Mas quem, afinal, vai colocar cabresto nos Estados que perderam noção do que podem gastar?
Depois que os governos salvaram os mercados do naufrágio, diversos analistas fizeram uma releitura equivocada da Teoria Geral de John Keynes. E disseram que, finalmente, o sistema havia reconhecido que era preciso devolver ao Estado a importância e a função que lhe cabem no sistema econômico.
Hoje se sabe que a qualidade do resgate que os Estados promoveram é questionável. Despejaram US$ 11 trilhões dos contribuintes na compra de ativos podres e na salvação dos bancos e nem sequer conseguiram diminuir o desemprego.
Os dirigentes políticos parecem mais preocupados em acabar com os "bônus indecentes" dos banqueiros do que em regular a atividade das instituições financeiras. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, por exemplo, esbanjou energia defendendo o fim dos paraísos fiscais (que nada têm a ver com a crise), mas pouco se importou com a disciplina fiscal dos países do seu bloco.
Apenas alguns meses depois do estouro das primeiras bolhas, os Estados estão tão quebrados quanto estavam os bancos, com a diferença de que não há organismos que os supervisionem e que sejam capazes de prover resgates. Tivessem os dirigentes políticos levado mais a sério o chamado Consenso de Washington ao menos na proporção em que, paradoxalmente, os do Brasil e da China estão levando, os Estados nacionais dos países de alta renda não estariam na encalacrada em que estão metidos.
Grécia e Portugal são animais miúdos da selva europeia. Mas sua capacidade de provocar contágios devastadores não é menor do que foi, entre os bancos, a capacidade de arrasto do Northern Rocks ou do Lehman Brothers. É a saúde de toda a área do euro e a do próprio euro que está em jogo com o desastre da Grécia.
Ficha por ficha, a dos Estados Unidos está pior do que a da maioria dos países europeus. Ostenta um déficit fiscal de 10,7% do PIB e uma dívida de 65,2% do PIB ante 6,7% e 57,9%, respectivamente, da área do euro.
No entanto, as nações do euro estão mais vulneráveis. Não se entendem, não conseguem manter políticas macroeconômicas convergentes, não cumprem tratados, estão atoladas em contas de seguro social e welfare state e, agora se vê, não detêm uma moeda inteiramente confiável de reserva internacional.
A China consegue o que quer, consegue defender suas políticas e, a despeito dos índices recordes de desemprego nos países de alta renda do Ocidente, incorpora 20 milhões de pessoas por ano ao mercado de trabalho e de consumo. E por quê? Porque seu sistema financeiro administra uma poupança de 51% do PIB.
Apesar da crise dos mercados de consumo, a saída está em obter o crescimento da poupança. É o que, em última análise, garante a capacidade de executar uma política econômica consistente em tempo de crise.