O ESTADO DE S. PAULO
A socialista chilena Michelle Bachelet vai encerrar seu mandato, em 2010, com 85% de popularidade, a mais alta entre todos os presidentes da América Latina (AL), e com o convite, recebido na terça-feira, para ingressar no seleto clube de 30 países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Enquanto o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva persegue obsessivamente poder e prestígio político em busca de um assento para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, a presidente chilena segue outra linha: a de levar para o Chile progresso econômico e social integrando seu país a um organismo voltado para elevar o nível de vida da população, aperfeiçoar a democracia, garantir estabilidade econômica, fomentar o comércio e desenvolver o emprego.
Criada em 1961 por um grupo de países europeus, a OCDE tem hoje 30 países-membros que, juntos, somam mais da metade das riquezas do planeta. Para tornar-se sócio, o país precisa provar ter avançado em compromissos com a democracia representativa e com a economia de livre mercado. Da AL, só o México faz parte da OCDE, e, assim mesmo, por influência dos EUA. O Chile é o primeiro a ser convidado espontaneamente e por unanimidade. Para se unir ao grupo, vai precisar mudar sua legislação nas áreas fiscal, de governança corporativa e responsabilidade legal em casos de corrupção.
Brasil e Chile passaram por duras e prolongadas ditaduras, mas tomaram rumos diversos com a chegada da democracia. Pragmática, a Concertación (coalizão de partidos de esquerda que governa o Chile há 20 anos) contestou a ditadura no plano político, mas manteve e aprofundou feitos na área econômica, como a abertura da economia com baixas tarifas de importação, a lei de autonomia do banco central e um modelo privado de previdência, que depois entrou em crise pela baixa adesão dos trabalhadores, que não tinham recursos para contribuir com o valor mínimo exigido. Ao assumir o governo, um dos primeiros atos de Bachelet foi nomear uma comissão mista (governo e oposição) para preparar uma nova previdência, que manteve o regime privado de capitalização, mas universalizou o sistema, concedendo um mínimo equivalente a R$ 230 a 40% dos idosos excluídos até então.
Já o Brasil saiu da ditadura promulgando uma nova Constituição, com viés ideológico fora da realidade e que logo precisou ser reformada para possibilitar o progresso econômico. A abertura econômica só ocorreu em 1994 e, assim mesmo, tímida; apenas remendada, a Previdência permanece com poucos ganhando muito e muitos ganhando pouco; a autonomia do Banco Central depende do presidente de plantão, porque não é garantida em lei. No Brasil o poder de pressão de interesses da classe política costuma atrofiar e reduzir pela metade o que precisa ser feito.
Em resumo, os quatro governos democratas da Concertación agiram sem preconceito ideológico em favor do progresso econômico: mantiveram o que de bom herdaram da ditadura, fizeram acordos comerciais com EUA e Europa, preservaram a política macroeconômica que controlou a inflação, estabilizou a economia e atraiu investimento estrangeiro. Já o Brasil começou o ciclo de reformas mais tarde, a partir de 1994. Passados 15 anos, até hoje não o concluiu. A falta das reformas política, tributária, previdenciária e trabalhista tem freado o crescimento e fragilizado nossa democracia. Por isso, desde o início da década de 1990, enquanto a economia chilena cresce continuamente a taxas de 6%, 7% ao ano, a brasileira patina em taxas baixas e, nos últimos anos, cresceu mais colada na prosperidade do mundo. Por isso o Chile é o 1º na AL e o 44º no mundo entre os países de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e o Brasil ocupa, respectivamente, a 9ª e a 75ª posições.
Com apenas um ano de governo, em maio de 2006, Bachelet enfrentou uma greve de 800 mil estudantes que fez desabar sua taxa de popularidade. Mas não cedeu a pressões por gastos: precisava economizar dinheiro para os idosos. Criou a aposentadoria básica universal equivalente a R$ 230 e deu gratuidade no sistema público de saúde para os maiores de 60 anos. Mas o que impulsionou a popularidade de Michelle Bachelet foi o bônus de US$ 60, instituído para enfrentar a crise e que beneficiou 2 milhões entre 15 milhões da população chilena.
Apesar da popularidade em alta, Bachelet não conseguiu transferir votos para seu candidato na eleição de domingo passado. E aqui? Lula conseguirá?
Aos amigos leitores um feliz Natal!