Às vezes eu acho que nós, brasileiros, temos razão em manter nosso tradicional complexo de inferioridade, achando que tudo do famoso Primeiro Mundo é melhor do que aqui, a começar pela aparência e a terminar pela língua. É quando constato que somos atrasados mesmo, triste verdade. Somente um povo atrasado é que ia dedicar, como dedicou, espaço e tempo a comentar indignadamente e rechaçar com veemência uma piada que o ator Robin Williams fez num programa de tevê americano. Deve ser o único lugar do mundo onde isso acontece em relação a algo dito por Robin Williams, que os próprios americanos nem ouviram — dá uma vergonhazinha.
Lembro agora, a propósito, o que aconteceu, faz algum tempo, quando o então correspondente do “New York Times” no Brasil escreveu sobre a relação do presidente Lula com as bebidas alcoólicas.
O presidente quis expulsar do país o sacrílego jornalista e também lembro que o ministro Gushiken, aquele com cara de Fu-Man-Chu que na época nos assombrava, justificou tal reação dizendo que a matéria contendo o crime de lesa-majestade era equivalente a, em se estando no Japão, difamar o imperador. Em comparação, conta-se que, quando o presidente Kennedy se julgou ofendido pelo mesmo “New York Times”, apenas murmurou um palavrão e cancelou sua assinatura.
Agora, notadamente aqui pela América do Sul, cria-se novamente um clima anti-imprensa, a começar pelo nosso presidente, que se esquece do muito que deve a uma imprensa livre e agora a considera incômoda e quer ditar seu comportamento. Como não lê nada, a realidade lhe é narrada pelos puxa-sacos que o rondam, como rondam qualquer governante, e que não querem ser portadores de novas desagradáveis. A imprensa, assim, só pode refletir uma realidade que ele desconhece. Liberdade de imprensa, sim, contanto que a favor do poder. Tudo atraso, aqui neste triste continente agora ostentando cá e lá o que poderia ser uma caricatura, mas é retrato. Populismo barato, gritos de muerte a isso e muerte aquilo, viva la revolución aqui e viva la revolución ali, peitos ataviados com medalhas do tamanho de bolachões, provavelmente ganhas pela promoção ou repressão de alguma arruaça de meia-pataca.
Mais atrasado que isso — e, ai de nós, não de todo incogitável num futuro tenebroso — só na Etiópia do tempo de Haile Selassie, quando qualquer coisa a ser impressa, até mesmo convites de casamento, tinha de passar pela censura oficial. Não duvido nada, mas nada mesmo, que alguém queira adotar práticas semelhantes para o Brasil de hoje e daqui a pouco proponham a padronização dos convites de casamento, para os quais sugiro logo a proibição dos dizeres “os noivos receberão os cumprimentos na igreja” para os casais cujo pai da noiva ganhe mais de vinte salários mínimos, pois nessa faixa será obrigatória a realização de uma recepção a convidados, com uma quota de trinta por cento para negros, vinte por cento para pardos e quinze por cento para moradores de comunidades carentes.
Não esqueçamos a tentativa que se fez em Brasília, de regulamentar a maneira pela qual deveríamos falar, o politicamente correto da nossa linguagem de todo dia. Na ocasião, seus elaboradores e proponentes alegaram que a cartilha não era normativa, mas apenas sugestão, como se, no mar da macaquice e da indigência mental de tantos de nós, todo mundo em breve não fosse falar e escrever conforme ela. E daí a pouco, os comunicadores e porta-vozes estariam falando como o presidente do Lions Club de Wichita na presença dos leões e suas domadoras.
Age-se aqui como se as liberdades de pensamento, expressão e imprensa, que não podem ser dissociadas, como se uma fizesse sentido sem as outras, fossem uma outorga do Estado, ou, pior ainda, do governo. É comum entre nós a mentalidade de que o governo ou o Estado nos dá isso ou aquilo. Nem um nem outro nos dão nada, não somente porque pagamos os impostos que os sustentam, mas principalmente porque legitimamos o poder que é exercido sobre nós. Essas liberdades não são um dom do Estado ou do governo, são parte da dignidade e dos direitos básicos do cidadão e da sociedade.
E não podemos, como também fazemos habitualmente, confundir Estado com governo. O funcionário público não é servidor do governo, mas do Estado.
A tevê pública, ou o que lá seja isso no Brasil, não é do governo, mas do Estado. Contudo, não só encaramos como do governo tudo o que é estatal, como o governo de fato mete o bedelho a seu bel-prazer em áreas que deviam ser escrupulosa e rigorosamente defendidas, como as próprias tevês públicas, onde nunca é aconselhável falar mal do governo e o mesmo governo nomeia e demite como lhe apraz.
Agora mesmo acaba de se encerrar uma tal Conferência Nacional de Comunicação, onde, segundo me contam, houve um festival de asnices e intenções duvidosas digno da ala de extrema esquerda de um grêmio infanto-juvenil norte-coreano. Tentaram de novo criar um Conselho Federal de Jornalismo, para dar palpite na imprensa e, provavelmente, involuir para o ponto em que eu receberia uma lista de assuntos que deveria abordar neste espaço, bem como a opinião a ser adotada.
Também propuseram a volta da exigência de diploma em comunicação para o exercício da profissão de jornalista. Isso não é pela liberdade de imprensa, porque qualquer cidadão deve ter o direito de publicar um jornal em que defenda legitimamente suas opiniões, sem precisar recorrer a um diplomado, que, em certos casos, só fará emprestar, ou vender, sua assinatura. Enfim, quanto mais as coisas mudam, mais permanecem as mesmas. Com uma exceção: sem imprensa livre, elas piorariam bastante.