sexta-feira, outubro 23, 2009

Jogo de profissional - Dora Kramer

O Estado de S. Paulo - 23/10/2009

Há duas maneiras de analisar o anunciado acordo entre PT e PMDB. Sob a ótica da eleição presidencial, o aludido "pré-compromisso" não significa nada em termos definitivos.

Tanto é que a presidente em exercício do partido, deputada Íris de Araújo - integrante da chamada ala governista -, disse que o rumo do PMDB só será definido na convenção de junho do ano que vem.

Agora, do ponto de vista das eleições estaduais, para governadores, senadores e deputados, o acerto firmado entre as cúpulas do PT e do PMDB significa muito.

Para o PMDB, bem entendido, que apenas cumpre sua vocação de federação de interesses regionais.

Se dependesse do PT, que em nenhum momento pediu para que se firmasse compromisso algum, o assunto só entraria na pauta mais adiante.

O acordo foi a maneira que o PMDB encontrou de se prevenir contra manobras do PT para se apropriar com exclusividade da marca Lula, uma vez que o presidente não conseguiu - ou não quis - que os petistas se enquadrassem às exigências do parceiro de abrir mão de candidaturas próprias em Estados considerados importantes pelos pemedebistas.

A saída foi forçar um compromisso de divisão da coordenação presidencial, pois com isso o PMDB acredita que terá mais força para negociar as alianças regionais em melhores condições.

Os próprios termos do acordo deixam isso muito claro. São quatro pontos. O primeiro - "os dois partidos se comprometem a construir a aliança" - é mera manifestação de intenção. O segundo - "os dois partidos comporão, necessariamente, a chapa de presidente e vice-presidente a ser apresentada ao eleitorado em 2010"- é um certificado de venda de terreno na Lua, pois trata de uma decisão a ser tomada pelas convenções partidárias daqui a oito meses.

O terceiro ponto - "os dois partidos dividirão a coordenação da campanha e a elaboração do programa de governo"- dá uma pista sobre o que realmente interessa.

O quarto vai direto ao ponto: "Esse compromisso será levado às instâncias partidárias para construir soluções conjuntas nas eleições regionais."

Tendo assento na coordenação nacional, o PMDB ganha força para influir nas alianças regionais sem que dependa de uma ação de Lula.

Note-se uma incongruência nos termos do acordo: no item 2 diz que os dois partidos integrarão "necessariamente" a chapa presidencial e no item 4 informa que o compromisso será "levado às instâncias partidárias". Trata-se, portanto, de uma questão em aberto segundo os próprios signatários.

Não houve falha de redação e sim propósito de parte a parte. Ao PMDB pouco se lhe dá quem sucederá a Lula. Ao partido interessa eleger o maior número possível de governadores, senadores e deputados para garantir o cacife de principal parceiro do presidente. Seja ele, ou ela, quem for.

Esse acordo interessa até à ala dita dissidente do PMDB, pois o fortalecimento do partido para firmar alianças regionais conforme sua conveniência é algo benéfico para todos, aliados da candidatura presidencial governista ou não.

Lá na frente, se Dilma Rousseff, Ciro Gomes ou quem venha a ser o preferido do Planalto estiver bem, o compromisso fica mantido.

Do contrário, bastará alegar que a convenção decidiu rejeitar a aliança e ninguém poderá falar em quebra de contrato. O mesmo vale para o PT se por algum motivo não lhe interessar fazer par oficialmente com o PMDB.

Gato escaldado

O presidente Lula, consta, teria sugerido ao PMDB intervenções nas seções do partido que discordem da aliança com o PT.

Foi mais ou menos o que o PMDB pediu a Lula meses atrás que fizesse com as regionais petistas que insistissem em candidaturas próprias.

Nenhum dos dois, porém, tem a menor intenção de patrocinar intervenções nas seções regionais.

O PMDB por falta de moral para falar em disciplina partidária e o PT porque não esquece da notória intervenção no Rio para se aliar a Anthony Garotinho, que pouco depois lhe daria o apelido de "partido da boquinha".

Pé atrás

Vamos e venhamos: está esquisita essa história da agenda da ex-secretária de Receita Federal Lina Vieira. O governo conferiu credibilidade a Lina quando tratou com desfaçatez a questão do encontro entre ela e a ministra Dilma Rousseff, contando uma história mal contada sobre o sumiço das imagens das câmeras de segurança.

Agora, que a ex-secretária não contribui com a própria versão ao afirmar, como afirmou quando foi depor no Senado, que uma reunião ocorrida no início de outubro acontecera perto do Natal, lá isso não contribui.

Judas

A entrevista do presidente Lula à Folha de S. Paulo, um marco, requer análise detalhada e, portanto, espaço. Vamos a ela amanhã.