O GLOBO
O que pode ser pior? Acreditar que Lula foi de fato surpreendido com a chegada à embaixada do Brasil em Tegucigalpa do presidente deposto Manoel Zelaya? Ou imaginar que a volta de Zelaya ao seu país foi uma operação do consórcio Brasil-Venezuela? Coube a Hugo Chávez despejar a carga nos jardins da embaixada. A Lula, abrigá-la em segurança.
Ajeita daqui, ajeita dali, ficou assim a história oficial da mixórdia contada com pequenas diferenças por Chávez, Zelaya e porta-vozes informais de Lula. Na manhã da última segunda-feira, Xiomara Castro, mulher de Zelaya, procurou Francisco Catunda, o encarregado de negócios da embaixada do Brasil em Honduras e única autoridade ali presente.
Por escolha pessoal, Catunda é um diplomata de terceiro escalão que está perto de se aposentar. Poderia ter sido embaixador. O poeta João Cabral de Melo Neto, por exemplo, foi embaixador em Honduras. Catunda, porém, truncou sua própria carreira ao recusar cargos que o levariam a servir em locais distantes do Ceará, onde nasceu. É fissurado em Fortaleza.
Para genuíno espanto de Catunda, Xiomara lhe disse que Zelaya estava dentro de um carro a poucos metros da sede da embaixada. Em seguida, orientou-o a consultar seus superiores sobre o desejo de Zelaya de obter refúgio. Catunda telefonou para Brasília, que por sua vez alcançou Lula voando para Nova Iorque. Depois do susto, Lula respondeu: tudo bem.
A se acreditar na história oficial, portanto, Chávez armou para cima de Lula. Com meios fornecidos por ele, Zelaya tentara antes duas vezes regressar a Honduras. Da primeira só conseguiu sobrevoar o aeroporto de Tegucigalpa em avião cedido por Chávez. Da segunda foi barrado na fronteira com El Salvador. Fez uma graça, tomou uns tragos e foi embora.
Quem anunciou triunfante o paradeiro de Zelaya uma vez instalado na embaixada do Brasil? Chávez, ora. De duas, uma: ou faltou coragem a Lula para dizer algo do tipo “ninguém empurra nada goela abaixo do Brasil” e negar hospedagem a Zelaya, ou ele concluiu rapidamente que seria uma boa virar um dos protagonistas da crise hondurenha.
Por que Chávez não mandou Zelaya para a embaixada da Venezuela? Porque sabe que não conta com a simpatia internacional – Lula conta de sobra. Por que não mandou Zelaya para a embaixada dos Estados Unidos? Porque lá ele só seria acolhido na condição de asilado. E asilado tem de obedecer a regras seculares de asilo. Uma delas: manter o bico fechado.
Zelaya transformou a embaixada do Brasil na casa da mãe Juanita. Um dia depois de sua chegada, a embaixada estava ocupada por cerca de 300 partidários dele, incluídos guarda-costas armados, uma equipe de televisão da Venezuela, outra de uma rádio local e, sim, um blogueiro norte-americano. Blogueiro é uma praga. Está por toda parte.
Lula deu ordem a Zelaya para não fazer conchavos dentro da embaixada. Brincou, não foi? Como não pode fazer do lado de fora, e como está na embaixada justamente para fazer conchavos capazes de lhe restituir o poder, Zelaya ignorou a ordem de Lula. Passou a conceder audiências a quem o procura. E a dar dezenas de entrevistas diárias.
O dono do pedaço é Zelaya. O Brasil emprestou sua soberania para que Zelaya tente derrubar o governo que substituiu o dele. Se a história oficial for mentirosa, se existirem de fato manchas verdes e amarelas na operação de retorno de Zelaya a Honduras, o Brasil deu uma de país imperialista interferindo diretamente nos assuntos internos de outro país.
Mas se a operação carregou com exclusividade as cores da Venezuela, por mais que me doa à alma isso significa dizer que Chávez fez Lula de bobo (nada de inédito). Pois ao fim e ao cabo, o resultado será o mesmo: a interferência nos assuntos internos de Honduras do Brasil candidato a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, o país do “cara”, do pré-sal e da marolinha vencida vapt-vupt.