domingo, setembro 27, 2009

Dialética da banana JOÃO UBALDO RIBEIRO

O Globo

Enganam-se os apressados ou levianos, se pensarem que em Itaparica nós não acompanhamos de perto os acontecimentos nacionais. Foise o tempo em que as notícias chegavam com um certo atraso, como ocorreu, para citar somente um caso, logo depois da Independência.

D. Pedro deu o brado retumbante em 1822, mas se esqueceram de avisar à portuguesada do Recôncavo e, em 1823, tivemos de sair no braço para garantir os raios fúlgidos, nunca nos deram moleza. Agora é diferente, agora a gente vai de internet e não é possível mais contar nos dedos o número de estabelecimentos especializados de que já dispomos. Ouço até dizer que o multimilionário Gugu Galo Ruço está à frente de um empreendimento revolucionário, a AxeWeb, mas ele não revela detalhes, apenas ri — o que não quer dizer nada, pois desde tempos imemoriais que se sabe que rico ri à toa.

Não tenho certeza de que os recursos de hoje nos põem em melhores condições que as de 1822. Esse negócio de estar sempre por dentro dos acontecimentos é, passe o lugarcomum, uma faca de dois legumes.

A sucessão dos acontecimentos, cada vez mais veloz, é muito estressante.

Além disso, o acúmulo de informações, às vezes conflitantes ou de exegese dificultosa, inevitavelmente gera mal-entendidos, alguns deles de certa monta. É o que eu soube, através de conversa telefônica havida com meu amigo Toinho Sabacu. Ele me falou de problemas na ilha, causados pela entrada em vigor de uma lei paulista muito divulgada nos noticiários de tevê, a já famosa lei segundo a qual não se pode vender nem comprar banana à dúzia, mas a quilo.

Inicialmente, por um erro de interpretação, circulou no bar de Espanha, cenáculo onde se desenrolam alguns dos debates mais momentosos da ilha, a versão segundo a qual, doravante, estava valendo no grande estado de São Paulo, Deus tivesse piedade de nós, a lei da banana. Ou seja, escreveu não leu, leva uma banana bem dada.

Houve quem ponderasse que isso devia ser uma coisa circunscrita a políticos, que doravante passariam a apartear-se ou a debater entre bananas para lá e para cá — olhe aqui pra Vossência, tome aqui, Excelência etc. Coisa seriíssima, ainda mais quando se sabe que o paulista não brinca em serviço e é capaz até de entrar num curso para aprender a melhormente dar bananas. As consequências para a nossa vida política seriam incalculáveis. E a discussão já ameaçava atiçar fogo aos ânimos, quando Zecamunista, sempre atualizado e certeiro, chegou de sua turnê de carteado e esclareceu tratar-se somente da fruta mesmo.

— Atenção! — acrescentou ele. — Vou aproveitar para dar uma aula de materialismo dialético! Houve quem pensasse que ele ia falar no materialismo de Arlete e quisesse logo saber quem era ela e se era dessas comunistas safadas que dormem com todo mundo. Materialista, sabe como é, é mais até do que existencialista e este último tipo, vamos e venhamos, é o da Chiquita Bacana. Xepa, sempre um exemplo de sensibilidade e boa educação, chegou a sugerir que se inquirisse com discrição se não haveria entre os presentes algum parente ou amigo dessa Arlete, que pudesse melindrar-se com um comentário ou outro. Mas logo esse ponto também se elucidou e todos silenciaram, porque se pode discordar das ideias de Zecamunista, mas não se pode negar que é um crânio respeitado.

— O velho Carlos Marques na cabeça mais uma vez! O que os senhores presenciaram é mais uma demonstração clara de que a economia é o grande motor da História! — Motor de popa, Zeca? — Pode até ser. Eu posso até usar essa imagem. A economia é o motor de popa da História.

— A história da banana, Zeca? — A história da banana, isso mesmo.

Aparentemente, é uma tentativa de proteger o consumidor, não é? A classe dominante se preocupa com consumidor, não é? Nunca, meus caros senhores! Não há caso, é impossível! O que aconteceu foi uma vitória do lobby antibananinha, do agronegócio imperialista! Agora ninguém mais vai vender aquela bananinha pequenininha, aquela mais saborosa, porque é preciso juntar muitas para conseguir um quilo, vai dar prejuízo ao feirante, a começar pelo transporte. Acabaram com a bananinha, acabaram com o pequeno produtor, agora só vai ter daquelas bananonas de americano, a banana má expulsa a boa do mercado. Quem quiser comer bananinha em São Paulo vai ter que sair do estado, ou então recorrer ao mercado negro de banana proibida.

Senhores, o paulista que comprar bananinha em dúzia para comer em casa estará levando a família à ilegalidade! A que ponto chegará a opressão? A que ponto chegará a ousadia dos plutocratas? A essa altura, o orador foi interrompido, por um quase tumulto.

Vindo lá de dentro, Espanha manifestou sua estranheza em relação ao vocabulário empregado, no que foi apoiado pela maioria. Zeca se encontrava arroubado demais, destemperado demais, estava certo que denunciasse quem quisesse, vivemos numa democracia, mas chamar os caras de putocratas já era um pouco demais, tirava a razão do denunciante. Ele fez menção de que ia protestar, mas acabou concordando.

— Tudo bem — disse ele. — De qualquer maneira, não é com essa banana que eu estou preocupado.

— E existe outra banana para causar preocupação? — Pois é, a gente nem sente mais, não é? É essa a minha preocupação.