O ESTADO DE S. PAULO
O Brasil inteiro torce para superar esta crise, acabar o tormento e o País voltar a crescer. Ah, se dependesse de torcida... Mas, infelizmente, a realidade não tem ajudado os brasileiros torcedores. Desde outubro de 2008 os indicadores têm mais piorado do que melhorado, e a cada pesquisa divulgada, a decepção: foi pior do que o esperado. Com isso, as projeções (do governo e fora dele) para o crescimento econômico em 2009 caíram em cinco meses de 4,5% para 3%, 2%, 1,5% e hoje oscilam entre 2% e 1,5% negativo.
O presidente Lula se diz um contumaz otimista, o que é bom. Expressar otimismo em situações adversas faz todo o sentido, mas com cuidado e equilíbrio para não romper a barreira da sensatez, do senso de realidade. Foi desastroso seu desdém com a crise: a marolinha caiu no ridículo, virou piada. E certos ministros e auxiliares de Lula não aprenderam com a marolinha. Seja pela ansiedade de imitar e agradar ao chefe ou porque confundem desejo com realidade e menosprezam a inteligência alheia, insistem em levar para a população análises e projeções contraditórias e desacreditadas que, de tão desmentidas pelos fatos, já não são levadas em conta.
O risco de um gestor público que engendra e administra soluções para a crise é justamente cair no descrédito por mascarar, falsear a dimensão real do problema. E, se ele vende uma versão fantasiosa, de que o pior já passou e chegou o momento da virada, vai encontrar quem a compre dentro da máquina do governo: os que procuram motivos para relaxar os controles de gastos que uma crise exige. É o caso, por exemplo, do escandaloso pagamento de horas extras para os funcionários do Senado em pleno recesso parlamentar.
Ao anunciar mudanças na remuneração das cadernetas de poupança, na última terça-feira, o presidente Lula cometeu um desses erros que falseiam a realidade. O vício de sair bem na foto, seja a notícia boa ou ruim, levou Lula a justificar as mudanças com a absurda explicação de que "é necessário proteger o pequeno poupador, o grande que procure outra aplicação, não a caderneta". Ora, como o novo cálculo vai reduzir o rendimento da caderneta, obviamente o pequeno investidor terá é prejuízo. Isso é protegê-lo? Cadê a oposição?
Também o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, tem mostrado desapreço com a verdade em suas projeções sobre o desemprego nesse período de crise. Na quarta-feira ele divulgou a pesquisa de emprego de fevereiro, que resultou em saldo positivo de 9,2 mil vagas, o primeiro depois da perda de 797 mil empregos desde novembro, mas um tombo respeitável se comparado com as 204,9 mil vagas de fevereiro de 2008. E Lupi não perdeu a pose: "Março será o mês da virada. Acredito que podemos gerar mais de 100 mil empregos e 1,5 milhão em 2009", delirou. A compulsão de Lupi é tal que, na véspera, já com os números na mão, ele afirmava que o saldo de emprego em fevereiro teria sido de 20 mil. Não chegou nem à metade.
Outro que faz estimativas contraditórias, desencontradas é o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann. Esse caso é mais grave porque ele dirige o órgão responsável por pesquisas e análises que orientam ações e decisões do governo. Em vez de trabalhar para ajudar o governo a amenizar a crise com propostas realistas, o Ipea dá uma estranha coloração política aos seus estudos. Na véspera da reunião do Copom para decidir juros, o órgão divulgou estudo intitulado A gravidade da crise e a despesa de juro do governo, propondo uma redução drástica de mais de 5% na taxa Selic. São conhecidas as divergências do Ipea com o Banco Central, em matéria de reclamar de juros altos o órgão só perde para o vice-presidente José Alencar. Daí o interesse em divulgar tal estudo na véspera do Copom. Nele o autor escreve: "A crise que o governo brasileiro enfrenta é gravíssima (...) o crescimento econômico e o nível do emprego estão comprometidos de forma bastante negativa neste primeiro trimestre."
Pois bem. Uma semana depois o Ipea mudou radicalmente seu diagnóstico. Ao analisar os números da pesquisa de emprego do Ministério do Trabalho, citada acima, seu presidente, Marcio Pochmann, afirmou à Agência Estado que "a economia vai recuperar em março, o PIB vai se crescer na margem e não haverá recessão técnica". A recessão é dada como certa pela maioria dos economistas, inclusive o autor do estudo sobre juros do Ipea. Assim Pochmann contribui para abalar a imagem de qualidade de um órgão que sempre baseou suas análises em fundamentos técnicos da realidade.