sábado, fevereiro 28, 2009

PT e PMDB brigam pelo controle de fundo

Cargos, cargos e mais cargos

A disputa pelo fundo de pensão de Furnas, com patrimônio
de 7 bilhões de reais, evidencia os métodos do PMDB
e seu apreço pela chave do cofre


Alexandre Oltramari e Otávio Cabral

Sergio Dutti/AE

"Isso é uma bandidagem completa."
Ministro Edison Lobão



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O silêncio foi a única resposta do PMDB às afirmações do senador Jarbas Vasconcelos de que o partido só pensa em assumir cargos para praticar corrupção. Na semana passada, houve mais uma. Numa crua demonstração de que as palavras do senador não embutiam um milímetro de exagero, o PMDB partiu para a briga com o PT pela nomeação de dois cargos de direção da Fundação Real Grandeza, o fundo de pensão dos funcionários de Furnas e da Eletronuclear. Em público, sem nenhum constrangimento e falando alto, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, do PMDB, defendeu a substituição imediata do presidente e do diretor financeiro de investimentos do fundo, ambos apadrinhados do PT. A contenda é apresentada como uma legítima busca por maior eficiência administrativa na gestão da aposentadoria dos servidores. Não é. O que o PMDB deseja é o controle absoluto do conglomerado que administra um patrimônio superior a 7 bilhões de reais – um tesouro cobiçado tanto por quem tem o hábito de ganhar dinheiro fácil e enriquecer de forma ilícita como por aqueles que planejam forrar o caixa de campanhas políticas. Para usar as palavras do senador Jarbas Vasconcelos, são cargos perfeitos para quem gosta de praticar corrupção em geral – uma vocação da maioria dos peemedebistas.

Tasso Marcelo/AE

O PT RESISTE
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A disputa entre o PMDB e o PT pelos dois cargos mais importantes do fundo Real Grandeza mostra como o fisiologismo se entranhou de maneira escancarada na política brasileira. Antes, litígios como esse eram discutidos a portas fechadas, às escondidas. Sem nenhuma cerimônia, o ministro de Minas e Energia, que certamente tem deveres muito mais relevantes a cumprir, se envolveu pessoalmente no caso: "Isso é uma bandidagem completa. Esse pessoal está revoltado porque não quer perder a boca", disse Lobão, referindo-se aos atuais dirigentes do fundo, indicados pelo PT. A resposta foi no mesmo tom: "Se tem quadrilha, não é no Real Grandeza, e sim no PMDB, como disse o senador Jarbas Vasconcelos", devolveu Geovah Machado, um dos conselheiros do fundo. Na primeira vez que dois partidos da base do governo entraram em choque publicamente pela disputa de poder (o PT de José Dirceu e o PTB de Roberto Jefferson), em 2005, o país teve a oportunidade de conhecer o mensalão. Para evitar uma nova e desagradável surpresa, o presidente Lula entrou no circuito e promoveu um cessar-fogo entre a turma da "bandidagem" e a da "quadrilha".

A interferência do presidente dá a medida do que está por trás da investida do PMDB: a chave de um cofre com 6,5 bilhões de reais, dinheiro que compõe a carteira de investimentos do Real Grandeza, nas mãos do PT desde o início do governo Lula. O atual presidente, Sergio Wilson Ferraz, e o diretor de investimentos, Ricardo Gurgel Nogueira, assumiram seus postos em agosto de 2005, sob as bênçãos da cúpula do partido. Em 2007, o PMDB foi agraciado com o comando de Furnas, a estatal responsável pelo abastecimento de energia no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas nunca conseguiu controlar todos os setores da empresa, principalmente o mais cobiçado deles: o Real Grandeza. A tentativa frustrada da semana passada foi a terceira em menos de dois anos. "O que leva um ministro a perder tempo brigando pelo comando do fundo de pensão dos aposentados é um mistério preocupante", diz Tania Vera, presidente da Associação dos Aposentados de Furnas. É realmente preocupante, mas não chega a ser um mistério. Os fundos de pensão são um terreno fértil para toda sorte de maracutaias. Apesar de serem bancados também com dinheiro público, eles são entidades privadas e não estão sujeitos à fiscalização por órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União. Respeitando algumas normas que estabelecem limites de aplicação, há um mundo de possibilidades ao alcance de um gestor desonesto. A principal delas – e a mais conhecida – é usar a flexibilidade de investimento para fazer negócios ruins para o fundo e muito bons para corretoras, bancos e empresas brindados com o dinheiro dos associados.

Joel Silva/Folha Imagem

O CRIADOR
Operações fraudulentas no fundo sustentavam o mensalão do ex-ministro José Dirceu

Uma pista para entender a atração do PMDB pelo Real Grandeza – e a relutância do PT em abrir mão de seu comando – pode ser encontrada no relatório final da CPI dos Correios, concluída em 2006. Em um capítulo com mais de cinquenta páginas, há o detalhamento de como os fundos de pensão foram usados para financiar o mensalão, a partir de uma série de operações financeiras suspeitas que rendiam lucros astronômicos para a "organização criminosa" chefiada pelo então ministro José Dirceu. Os dividendos da tramoia eram usados para subornar os políticos que votavam a favor do governo – os famosos mensaleiros. Entre 2003 e 2004, o Real Grandeza destinou 54% de seus investimentos a três bancos pequenos, considerados de alto risco e ligados diretamente ao mensalão: Santos, BMG e Rural. O Banco Santos, liquidado pelo Banco Central, tragou sozinho 164 milhões de reais dos aposentados de Furnas. "As aplicações do Real Grandeza no Santos foram todas realizadas por ingerência política", disse a VEJA um auditor do Banco Central que investigou a falência da instituição. "Não havia nenhuma justificativa técnica para o fundo ter concentrado tanto dinheiro ali." Com a revelação do esquema, toda a diretoria indicada pelo PT foi destituída. O próprio PT, porém, se encarregou de nomear os substitutos.

Carlos Humberto/BG Press

A CRIATURA DO PMDB
O deputado Eduardo Cunha quer o controle do fundo em troca de apoio ao governo

Com patrimônio de 293 bilhões de reais, uma fortuna equivalente ao PIB dos Emirados Árabes, os fundos de pensão de empresas estatais têm um papel relevante na economia brasileira. Da privatização das companhias telefônicas à construção de shoppings e hotéis, passando pela administração de portos e rodovias, nenhum grande negócio é fechado no país sem a participação decisiva dos fundos. De acordo com José Matias-Pereira, professor da Universidade de Brasília, a importância dos fundos para a economia e o futuro de seus associados deveria tornar a escolha de seus gestores ainda mais criteriosa, observando a capacidade técnica e o compromisso com os interesses dos associados. "Mas o que acontece é o contrário. Como esses cargos são preenchidos com base em indicações e influências políticas, os administradores acabam sendo mais sensíveis aos interesses de seus padrinhos políticos. No caso do PMDB, esses interesses são bem conhecidos de todos", explica Pereira. A intenção declarada do partido é substituir o atual presidente e o diretor de investimentos do Real. O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), parlamentar especialista na arte de permutar cargos por favores ao governo, já tem uma indicação, Eduardo Henrique Garcia.

Não são raros, muito menos desconhecidos, os casos em que fundos de pensão de empresas estatais tomam decisões tecnicamente duvidosas, para produzir perdas enormes aos patrocinadores e lucros fantásticos a quem se dispõe a remunerar, por baixo do pano, gestores desonestos e partidos políticos. Estima-se que nos últimos vinte anos o prejuízo dos fundos com negócios ruinosos tenha ultrapassado a cifra de 1 bilhão de reais. O diagnóstico apresentado pela CPI que investigou o tema aponta duas causas para os desvios: a falta de transparência de suas contas e as nomeações políticas. Para sanar o primeiro ralo, foi enviado um projeto de lei ao Congresso para permitir a auditoria externa em todas as contas de fundos de pensão. A proposta vegeta em algum escaninho. A máquina de nomeações políticas, por sua vez, continua operando com plena capacidade. "Ninguém investiga, ninguém acompanha, ninguém sabe o nome do presidente de um fundo. É uma grande caixa-preta controlada pelos partidos que estão no poder", afirma o senador Delcídio Amaral (PT-MS), que presidiu a CPI.

Divulgação

O CENÁRIO
O falido Banco Santos, onde a diretoria do Real Grandeza enterrou 164 milhões de reais

A tentativa do PMDB de assumir o controle do Real Grandeza, combinada com a entrevista na qual Jarbas Vasconcelos denuncia a rotina de corrupção no partido, ressuscitou um movimento pela ética na política que andava adormecido no Congresso desde a absolvição de Renan Calheiros, em 2007. Na ocasião, descobriu-se que Renan, então presidente do Congresso, tinha as contas pessoais pagas por um lobista e mantinha relações para lá de comprometedoras com o empreiteiro Zuleido Veras, o dono da construtora Gautama, uma espécie de braço financeiro-empresarial do PMDB. Renan é apontado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público como um defensor dos interesses da empreiteira no Congresso – aprovando emendas, acompanhando a liberação de dinheiro e usando sua influência junto ao governo para conseguir recursos. A PF descobriu que as obras da empreiteira eram sempre superfaturadas, as licitações dirigidas, e parte do dinheiro desviada – ao que tudo indica – para pagar propinas e sustentar campanhas políticas. No inquérito policial existe até a gravação de um diálogo entre Renan Calheiros e um dos investigados, o então superintendente da Caixa Econômica, Flávio Pin, que chegou a ser preso, em que o senador mostra toda a sua preocupação com a liberação de dinheiro para uma obra em Maceió (veja quadro). "Eu liguei lá pra ministra Dilma e vou também falar com o presidente pra ver qual é a solução", diz o diligente Renan.

Foto Sergio Dutti/AE e Carlo Wrede/Ag. O Dia/AE

A REAÇÃO
O senador Jarbas e o deputado Gabeira criaram frente contra a corrupção na política

Na terça-feira, um grupo de cerca de trinta deputados e senadores se reunirá no Congresso para definir a estratégia de ação. No mesmo dia, Jarbas Vasconcelos fará um discurso no Senado no qual apontará o caso Real Grandeza como um exemplo prático do que disse sobre o PMDB. "Vamos criar uma frente de combate à corrupção e pela adoção da transparência em todos os níveis da política", afirma o deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro. Eles pretendem fiscalizar com lupa as nomeações políticas, principalmente as feitas pelo PMDB, e exigir um padrão mínimo de ética para os integrantes do Legislativo. Não descartam nem mesmo a instalação de uma CPI para investigar a corrupção, desde que definam um fato a apurar. "É uma reação ao domínio do Congresso pelo PMDB. Após a vitória de Temer e Sarney, eles acharam que tinham um salvo-conduto para fazer qualquer coisa. Mas há uma minoria no Congresso, aliada à opinião pública, que não deixará isso acontecer em silêncio", diz o deputado Gustavo Fruet, do PSDB do Paraná.

O grupo que se forma para enfrentar a corrupção na política é o mesmo que se notabilizou em outros momentos de crise na era Lula. A primeira aparição foi no escândalo do mensalão, quando o grupo teve uma atuação decisiva para impedir o arquivamento da CPI antes mesmo de sua instalação. A seguir, na gestão de Severino Cavalcanti na presidência da Câmara, em 2005, quando ele foi flagrado recebendo uma propina de um empresário. Na ocasião, Gabeira tomou a frente pela destituição de Severino, que acabou renunciando. Na crise dos sanguessugas, em 2006, o levante foi contra o voto secreto nas sessões de cassação de parlamentares, que permitiu a absolvição da maioria dos acusados. No caso Renan Calheiros, em 2007, a batalha foi pelo fim das sessões secretas de cassação no Senado. Diz o deputado Gabeira: "Em todos esses momentos, conseguimos alguns pequenos avanços, que foram seguidos por novos retrocessos. Essa aliança de PT com PMDB só cede quando há uma união dessa minoria eloquente com a imprensa e a opinião pública. Quando o barulho para, eles voltam a fazer tudo de novo".

Com reportagem de Diego Escosteguy