quinta-feira, janeiro 01, 2009

VINICIUS TORRES FREIRE 2008: o mercadismo saiu de férias



Ideologia da autodisciplina dos mercados deu vexame, mas não se sabe se tal crise terá consequências políticas

O MAIOR lugar-comum do ano passado foi dizer que 2008 marcou o "fim de uma era".
Por um lado, tal trivialidade partia de gente que perdeu muito dinheiro.
Ou que via sua jactância mercadista ser desmoralizada quando bazófias da finança, de autoridades ou de intelectuais eram seguidas, dias depois, por falências desastrosas de ideologias, de formuletas econômicas ou de instituições financeiras. De outro lado, foi também a reação estereotipada e ainda vulgar de ingênuos, passadistas, desinformados e seitas que proclamavam o "fim do neoliberalismo". Mas, como de costume, nada sabemos nem de desdobramentos comezinhos da crise, quanto mais da história por vir.
Sabemos algo do passado, talvez.
Sabemos que, depois de um período de quase 30 anos de instabilidade financeira menor, entre o fim da Segunda Guerra e os anos 1970, riscos aumentaram; juros e moedas passaram a variar intensamente dada a nova e grande mobilidade internacional do capital. As mudanças contaram com o auxílio de inovações técnicas (computação etc.) e intelectuais (matemática, finanças), mas foram políticas. Tal transformação pareceu parte do projeto político de tornar os EUA ou o modelo americano o centro de um mundo econômica e assimetricamente integrado. O sucesso de tal modelo na criação de riqueza e a ruína de potências adversárias, além da fraqueza política e intelectual da esquerda tradicional e do "partido popular", deixaram o caminho aberto a tal projeto.
É difícil que tal tendência de longo prazo tome direção muito diferente.
Há por ora apenas um sentimento difuso, de resto localizado e talvez episódico, contra "ricos", o "poder do dinheiro", a "supremacia dos mercados", a "desregulamentação".
Mas ficou evidente que o senso comum ideológico dominante sobre a autodisciplina dos mercados foi desmoralizado. Não se sabe se o vexame será duradouro ou terá consequências, mas não se trata de pouca coisa.
Trata-se do fundamento intelectual da pregação mercadista, fundamento desde sempre ideológico. O próprio mercado, a finança em particular, não teria avançado tanto em dimensão, em risco e em produção de desigualdade, em clima de estabilidade política, se não fossem os diversos seguros, financeiros e sociais, patrocinados pelo poder político.
A grande finança e a grande empresa se expandiram, e com ela seus riscos econômicos e sociais, incentivadas pela proteção oferecida por instituições reguladoras, pela cobertura estatal do risco financeiro, por "empréstimos de última instância", por socorros ocasionais contra "riscos sistêmicos", por "redes de proteção social" para os excluídos etc.
No próprio dizer de mercadistas ilustres, o autointeresse não é capaz de criar equilíbrio. Sem a proteção política, o sistema cria catástrofes, como nos anos 1930; protegido, tende a criar danos, talvez menores, que ainda precisam ser sanados pelo poder político, como na presente crise.
Talvez seja impossível controlar tais ciclos de risco de catástrofe econômica. Mas o benefício do patrocínio público e estatal, que sustenta os períodos de bonança dos ciclos, são a coisa mais mal distribuída no mundo, assim como a razão, para parafrasear Descartes ao contrário. Disso, mal se trata. E isso é o essencial.