SÃO PAULO - Já que a leitora Délia Guelman lembrou meu encontro com Iasser Arafat, por iniciativa do rabino Henry Sobel, permito-me rememorar um pouco mais dessa história, porque ela diz muitíssimo a respeito de como mudaram os humores.
Foi em janeiro de 1996, apenas dias depois de Arafat ter sido eleito presidente da Autoridade Palestina, rara eleição no mundo árabe dada como "justa e livre" pela comunidade internacional.
Eu cobria a eleição, e Sobel participava de um congresso judaico em Jerusalém. Convidou-me para acompanhá-lo a uma audiência com o líder palestino, em Gaza, com três outros jornalistas.
O inusitado do evento ficou claro na fronteira entre Israel e Gaza. Um jovem soldado perguntou a Sobel o que ele iria fazer em Gaza. O rabino disse que tinha uma audiência com Arafat. "Oh, my God", respondeu o soldado.
Sobel perguntou aos palestinos que vieram nos buscar se deveria tirar o quipá. Disseram que não. Na conversa com Arafat, Sobel diz que a missão de ambos é "segurar nossos radicais e desarmar os espíritos". Arafat responde: "É nossa missão. E nós vamos continuar a marcha pela qual meu parceiro Rabin perdeu a vida" (alusão a Yitzhak Rabin, premiê israelense assassinado por radicais judeus).
Terminada a entrevista (o texto integral está na Folha de 25 de janeiro daquele ano), Sobel lê, em hebraico, o Salmo 37. Arafat pede, na saída, para guardar o texto, que diz: "Não se desencoraje com os que fazem o mal/ Porque eles vão desaparecer/ Confie no Senhor/ E Ele fará sua correção brilhar luminosamente como o sol do meio-dia/ Os maldosos perecerão/ Mas aqueles que servem o Senhor herdarão a Terra/ E se deliciarão na abundância de paz".
Pena que nunca mais um rabino e um palestino disseram "amém" como naquela noite em Gaza.