Será? A dúvida se impõe ante a inexorável constatação de que o julgamento do brasileiro é sempre feito na gangorra das circunstâncias. O pensar nacional reflete um caráter indeterminado, intuitivo e flexível, sujeito à pressão dos humores e dos momentos. É capaz de jogar a pessoa simpática de hoje na foto antipática de amanhã, costume que denota uma elasticidade correspondente à folga e ao aperto dos espaços. Sob esta hipótese, a conclusão não deixa margem a dúvidas: a crise terá um custo econômico, social e político. O mundo já sabe e o Brasil começa a descobrir. Pela primeira leitura, crescimento econômico, baixo ou negativo, alta volatilidade dos preços de alimentos e energia baterão na porta de 1,5 bilhão de assalariados em todo o planeta, corroendo salários e causando pânico. Os trabalhadores brasileiros não passarão ilesos. O desemprego abre sua face perversa e o susto já toma conta de Brasília. Em dezembro, o País perdeu 655 mil vagas de trabalho, o pior resultado dos últimos anos. Pífio crescimento em torno de 2% a 2,5%, este ano, não será suficiente para levantar o animus animandi da população. Traduzindo: dinheiro mais caro e bolso dos consumidores mais vazio, desemprego em massa, ajustes produtivos, redução da oferta de produtos e diminuição de investimentos em programas governamentais, entre outros fatores, semearão incerteza, medo, angústia.
A bolha de insegurança social se expandirá, soprada pela cadeia de eventos - que já começam a ocorrer -, ocupando zonas de fratura e tensão, energizando movimentos e promovendo a articulação de forças, que se juntam para reagir aos impactos da crise. Vale frisar que a expressão das margens sociais perdeu ímpeto oposicionista sob o governo Lula, por obra e graça dos programas assistencialistas e da injeção de recursos em movimentos e entidades como MST e centrais sindicais. Mesmo assim, não se pode deixar de considerar a ocorrência de uma pressão centrípeta, que poderá advir de parcela dos 20 milhões de brasileiros que ascenderam à baixa classe média, na esteira do programa de distribuição de renda para famílias incrustadas nas classes D e E. Apesar de o governo prometer manter os recursos para esse estrato populacional, analistas preveem volta da parcela assistida ao patamar antigo por conta de possíveis aumentos da cesta básica e pressões em cadeia. A imagem presidencial poderá ser borrada, exigindo esforço de Lula para conter o grito de marginalizados e de setores médios, que verão corroído seu poder aquisitivo.
Resta saber se Luiz Inácio, usando o gogó e o estoque de carisma, conseguirá enrolar o povo na bandeira do otimismo. A mídia, sob farta locução de economistas, dará vazão aos impactos em série. É nesse instante que o gato aparece no cenário. Aqui, as visões se confundem. A turma que ensaia o hino cívico do otimismo tende a crer que o programa de Lula para blindar a crise evitará a subida do felino no telhado. A blindagem inclui coisas como ampliação do seguro-desemprego, pacote habitacional para baixa renda, redução de juros para casa própria, redução da taxa Selic, desoneração tributária, isenção de impostos na área do agronegócio, liberação de recursos do FAT e do FGTS. Mesmo assim, a banda pessimista ouve barulho nas telhas do Planalto. É provável que a visão mais correta seja a intermediária. Nela se enxerga um clima de turbulência contida.
A contenção do clamor vai depender da eficácia e da destreza com que o governo Lula manejar dois instrumentos: um é o colchão do assistencialismo que faz adormecer as margens sociais; outro é o rolo compressor do PAC, cujos canteiros servirão de espelho para projetar o obreirismo nas faces repaginadas da ministra Dilma. Queiramos ou não, haverá um custo político da crise. Lula poderá saldar débitos e tentar transferir para a candidata parte de seus créditos. O caminho de transferência será, porém, cheio de curvas. O otimista de hoje poderá perder gás e ser o pessimista de amanhã. Se o horizonte está coberto de dúvidas, a estampa da crise exibe algumas certezas. Uma delas: não estaremos imunes à crise. Mesmo que Obama tenha reacendido as esperanças mundiais. Que o "Prestígio" de Lula subirá ao telhado, disso pouco se duvida. É improvável, porém, que despenque. O bicho tem garras para se sustentar no alto. Poderá cair alguns degraus, o necessário para deixá-lo menos autossuficiente e parecido com Ananias Arruda, comendador da Santa Sé, dono de A Verdade, jornal de Baturité (CE). Em tempos idos, essa estrambótica figura puxava a orelha de dignitários mundiais. Condenou a ida de Nixon a Pequim: "Já adverti uma vez os líderes que fazem essas leviandades. A 2ª Guerra Mundial só estourou porque aquele irresponsável do Roosevelt não ouviu minhas ponderações." Lula, na crise, deve ser menos dono da verdade.
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