No café da manhã em que se reuniu com os repórteres credenciados no Palácio do Planalto, quinta-feira da semana passada, o presidente Luiz Inácio da Silva reafirmou a tendência de patrocinar o nome da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para sua sucessão, mas não traçou um perfil exatamente generoso da pretensa candidatura.
A julgar pela versão de Lula, Dilma ainda tem léguas a percorrer antes de se tornar uma candidata competitiva. Em 2010.
Candidaturas bem-sucedidas - descontadas as exceções que confirmam a regra, diga-se logo para contraditar a inevitável lembrança de Fernando Collor - precisam ter um forte componente de naturalidade.
Nomes impostos, mesmos os conhecidos, em geral tendem ao fracasso. A Dilma descrita por Lula naquele encontro é uma candidata artificial. Tomemos como verdadeiras as palavras do presidente.
Segundo ele, os dois nunca conversaram sobre a hipótese da candidatura, o que significa que as cartas não estão postas na mesa pouco mais de um ano antes do início da campanha de um personagem ainda desconhecido por 48% dos brasileiros, não obstante a exposição quase diária da “mãe do PAC” durante 2008 todo.
Lula informou que, por enquanto, Dilma Rousseff está “em teste” junto à população, ao mundo política e sob a observação pessoal dele. “Estou vendo como ela se comporta.”
Testes são adequados a produtos, mercadorias, algo que se pretende lançar no mercado. Pessoas que precisam ser escolhidas por outras pessoas necessitam transmitir confiança, empatia ou representar algo capaz de mobilizar a razão ou a emoção do eleitorado.
Por exemplo: Fernando Henrique Cardoso em 1994/1998 mexeu com o racional; Luiz Inácio da Silva em 2002/2006 buliu com o emocional do brasileiro.
A Dilma Rousseff retratada naquele café da manhã por Lula assemelha-se a uma peça recém-fabricada na fase de testes, embora, como ele diz, “tecnicamente” perfeita. É de se perguntar quais seriam os atributos “técnicos” de um candidato a presidente da República e se Lula dispõe dessas características.
Está bem, o atual presidente é um caso à parte, admitamos. Mesmo assim, Lula ainda mostra lacunas na sua predileta. Acha que ela precisa ter mais disposição para “tratar com jornalistas, dar mais entrevistas”, pois só o “gabarito” profissional na ministra não basta para ganhar uma eleição.
“Assunto”, acrescenta ele, para tratar nessas entrevistas não falta a Dilma Rousseff. É possível que a ministra da Casa Civil esconda suas qualidades de boa conversadora e de pessoa de bom trato.
Por ora, consegue levar platéias inteiras ao sono solto em suas apresentações “técnicas” de balanços do PAC ou provocar absoluto terror de uma reprimenda súbita naqueles que tiveram oportunidade de acompanhá-la nas explicações sobre o dossiê FHC, de uma rispidez à prova de qualquer teste.
Não são os adversários que esquadrinham o perfil da ministra em busca de defeitos. É o próprio presidente quem aponta o árduo e longo trabalho a ser feito com Dilma Rousseff antes que ele possa ter na ministra uma candidata para chamar de sua. Pelo menos uma à altura da tarefa de conquistar a maioria dos 130 milhões de corações votantes.
Retrato fiel
O deputado Ciro Gomes deu uma entrevista para a edição de domingo do Globo, afirmando sua independência em relação ao PT na eleição de 2010, “se necessário for”.
Uma irrelevância, considerando a distância dos acontecimentos. Como ele mesmo diz, “tudo o que se vê hoje é uma remotíssima pista daquilo que provavelmente ocorrerá”.
Relevante de fato foi a análise feita pelo deputado a respeito do funcionamento do Poder Legislativo, da escala de prioridades vigente principalmente na Câmara e nos critérios de escolha para a ocupação de postos-chave.
Diz Ciro Gomes: “Na Câmara há uma seleção às avessas. Quanto mais mérito alguém tem, mais irrelevante é. Um exemplo: a Comissão de Constituição e Justiça tem entre seus quadros o ex-governador Roberto Magalhães, Ibsen Pinheiro, Flávio Dino. Todos brilhantes. E a CCJ, por esse acordo PT-PMDB e por essa hegemonia moral estranha, escolheu o jovem Leonardo Picciani e, em seguida, Eduardo Cunha. Isso está errado. É grave que os melhores, os mais sérios, os mais qualificados sejam preteridos, num coletivo onde se ajuíza o futuro da nação, por aqueles que não têm os mesmos dotes.”
E por que essa situação? Quis saber o jornal.
“Porque não se tem hegemonia moral e intelectual. O que preside a hegemonia hoje é a fisiologia, é a repartição de privilégios. É uma panelinha que escolhe entre si.”
Ciro Gomes provavelmente contratou mais inimizades internas. Em compensação, ajudou o público externo a compreender um dos motivos pelos quais o Congresso continua a surpreender em sua inesgotável capacidade de dar de ombros aos cidadãos que deveriam representar. |