terça-feira, dezembro 23, 2008

Guerras de Obama - Mírian Leitão

O Globo - 23/12/2008

Um pacote de US$800 bi foi delineado pelo presidente eleito com a velha receita de gastos públicos, novas obras, subsídios a famílias e empresas. Mas há guerras esperando Barack Obama. Os fundos de pensão estão com rombos gigantes; aumenta o número de pessoas sem cobertura de saúde; o setor imobiliário segue desmoronando; a ajuda às automobilísticas foi apenas a ponte até Obama.

O maior fundo de pensão do país, o Calpers, dos funcionários da Califórnia, cometeu um desatino duplo: investiu pesado no boom imobiliário e se alavancou para investir ainda mais no mesmo setor, que é o coração da crise.

Não bastasse ter concentrado recursos próprios no boom imobiliário e em ativos nas bolsas, o Calpers se endividou para comprar terrenos. Alguns investimentos foram feitos com 80% de dívida, que terá que ser paga, apesar de os projetos estarem hoje abandonados. O fundo de pensão virou um dos maiores donos de projetos residenciais não desenvolvidos nos Estados Unidos, ou seja, micos.

Calpers, sigla de California Public Employees" Retirement System, sempre foi o maior e mais cortejado investidor institucional. Este ano, em seis meses, já perdeu um quarto dos seus ativos, e deve fechar 2008 com o primeiro resultado negativo desde 1932. O fundo está, agora, avisando a pequenas e grandes cidades, órgãos públicos e escolas que eles terão que pôr mais dinheiro para capitalizar o fundo, que paga a aposentadoria de 1,6 milhão de californianos aposentados. Alguns municípios já estão reduzindo custos, cortando serviços públicos, para cobrir as novas e inesperadas despesas.

Agora multiplique isso por toda a gigantesca indústria de fundos de pensão, que, nos últimos anos, aumentou seus investimentos em bolsa e pensou estar protegida porque aplicou em bolsas de diversos países. Pensavam que estavam protegidos diversificando os países, mas eles mesmos estavam transformando países diferentes na mesma coisa. Quando os investidores institucionais começaram a perder num país, passaram a vender os ativos de outros países para cobrir prejuízos. Assim, viraram o canal de contágio e ajudaram a criar o problema que os feriu: a queda das bolsas no mundo inteiro.

O pior no caso do Calpers é que, apesar de ter ativos equivalentes à soma dos fundos soberanos da Rússia, da Coréia do Sul, de Dubai e do Chile, segundo a conta feita pelo "Wall Street Journal", ele tomou muito dinheiro emprestado para investir em empreendimentos imobiliários delirantes e, agora, está com dívidas e uma coleção formidável de elefantes brancos. Os aposentados terão que continuar sendo pagos. Os trabalhadores estão descobrindo, em todo o país, que terão que trabalhar alguns anos a mais e receber menos de aposentadoria do que imaginavam. Empobreceram.

No caso das automobilísticas, Obama terá que travar a verdadeira batalha para tentar salvar empresas de décadas de erros e más escolhas. O medo da quebra das empresas automobilísticas não é apenas pelos milhões de empregos ou pela desorganização industrial de toda a cadeia, mas pelo que fazer com os milhões de aposentados bem pagos do setor. A GM tem três inativos por cada trabalhador na ativa.

Na saúde, outra batalha. Nos EUA, 45 milhões de pessoas não têm cobertura de saúde. Os muito pobres têm o Medicaid, assistência pública que dá o direito de serem atendidos em alguns hospitais e em alguns procedimentos médicos. Milhões de americanos dependem dos seguros pagos pelas empresas; a quebra das empresas e o aumento do desemprego elevarão o número de pessoas sem cobertura.

A crise que detonou todo esse processo, a queda do valor dos imóveis, é difícil de entender por um brasileiro. Nos EUA, eles param de pagar suas hipotecas quando os juros sobem para níveis que, no Brasil, seriam considerados taxas de sonhos. Mas o sistema é todo outro, intraduzível para o Brasil, que nunca viveu a experiência de décadas de crédito fácil, farto e barato para a compra de casas, nem tem os mecanismos de retomada rápida de imóveis. Hoje, milhões de americanos já perderam suas casas, e os imóveis retomados estão vazios, se deteriorando, porque os bancos não sabem o que fazer com eles. Não são do ramo da administração imobiliária. Americanos contam os dias até a chegada de Obama, esperando solução para as suas hipotecas, cada dia mais impagáveis.

Barack Obama, o presidente que assumiu antes da posse, prepara para o começo de 2009 o anúncio do plano delineado pela sua equipe. O objetivo do pacote é criar 3 milhões de emprego (antes eram 2,5 milhões), depois que a economista Christina Romer, chefe do conselho de economistas de Obama, disse que o que acontecerá na economia é pior do que o que já aconteceu nos últimos 50 anos. O plano terá redução de impostos para a classe média, obras públicas em estradas, projetos de transporte de massa, reclimatização de prédios públicos, informatização de hospitais, ampliação da assistência médica aos mais pobres. Há as emergências, e há outros problemas gigantes esperando o político que descansa no Havaí. Que as ondas renovem suas forças. Seus desafios lembram os de Hércules.