sábado, novembro 01, 2008

Rescaldo -Maria Helen Rubinato



blog Noblat


O que ficou das eleições municipais de 2008? Duas imagens: o presidente da República, numa atitude insólita, se esgoelando em palanques de norte a sul do país, fazendo campanha pelos candidatos de sua preferência; e o Rio, cidade normalmente solar, alegre, gregária, na noite de 26 de outubro, em silêncio, escura, encaramujada, sem nem um pingo de sua costumeira alegria.

As duas imagens e a força de uma confirmação: nós não temos partidos políticos. Não votamos em partidos porque eles não representam idéias firmes. Nossos partidos não têm representatividade social verdadeira, nem capilaridade. Já tivemos partidos distintos, fortes, com projetos bem definidos. Mas agora impera a geléia geral.

Parecemos folhas ao vento, hoje torcendo por A, amanhã por B. Só levamos em conta o contraditório negativo: o contraponto esquerda/direita, elite/proletários, conservadores/liberados. Quanta confusão isso causa.

Direitistas ou esquerdistas? Os primeiros agem como se os esquerdistas fossem o diabo em figura de gente, e chegam a dizer que não há, nunca viram, não existe, um esquerdista inteligente. Os da esquerda estão convencidos que todo direitista come caviar de manhã à noite, mora em mansões de alto luxo, e odeia os pobres. Se ele vai a Paris então, Cristo da abadia, é um monstro que com certeza come criancinhas ao jantar!

E a elite? Você estudou, queimou as pestanas, cuida da linguagem, trabalha, gosta de ler, costuma ir ao teatro, viaja, então você é um elitista nojento que odeia os operários e despreza quem fala errado, porque era pobre e nunca pode estudar. Não adianta argumentar, nem citar inúmeros exemplos de pessoas de origem humilde que por gostar de estudar e aprender, deixaram para trás a ignorância. Nessa hora é melhor não citar Machado, ou Lima Barreto, ou Millor Fernandes, o interlocutor nem ouve, de tanta gana que está do assunto, vai logo dizer que "aí é diferente". É diferente, claro que é, mas se esses homens não fossem persistentes...

Preparem-se que ainda vem melhor: os mais esquisitos, os conservadores. São contra o aborto, contra a união entre homossexuais, contra qualquer manifestação de amor que saia dos padrões convencionados como corretos pela rainha Vitória da Inglaterra, que Deus a tenha. Isso, na luz da Light, porque no escurinho do cinema, quanto mais conservadores, mais liberadinhos. Esses são os mais interessantes para um estudo com lupa, palavra que o presidente Lula vem de adotar. Li uma vez que no caso de uma explosão nuclear final, sobrarão no mundo os cupins, as baratas e, acrescento eu, os conservadores.

Em suma, no rescaldo de nossas recentes eleições municipais, ficou a figura do Lula palanqueando como um possesso; a tristeza de uma cidade ao se ver ameaçada de exclusão do mapa do Brasil se o candidato da situação não vencesse; a sensação que competir de modo limpo e destemido, é remar contra a maré; e também, ao menos para mim, o RIP dos partidos políticos brasileiros.

Como não há mal que sempre dure nem bem que sempre perdure, ficou também uma lamparina acesa, lá no fim do túnel: a vitória do Kassab. Os paulistanos, tendo a sorte de ter um governador que faz oposição ao Governo Federal, mas que não se curva, nem nunca se curvou, reelegeu o bom administrador cujas ações ele vê em seu dia a dia. Solteiro, sem filhos, formado, com um leve problema de dicção, com a ponta do dedo anular perdida num acidente quando era um bebê de um ano, bom filho, bom irmão, bom tio e bom prefeito. Feliz São Paulo!

Vou ser bem franca: fiquei com muita pena de mim. Quatro anos é muito tempo. Sei lá se vou estar por aqui para ver o Rio voltar a ser feliz. Não falo em ferveção do Réveillon ou do Carnaval, nem em dias de sol e praia apinhada, nem do Maracanã lotado e a torcida desfraldando bandeiras. Falo em feliz...

Será que os 900 mil egoístas que não resistiram à chantagem que fizeram com nosso Rio, e resolveram unir o inútil ao desagradável, aproveitar mais um feriadão e ceder ao braço torcido, repetindo João Ubaldo Ribeiro, estão felizes?