quinta-feira, novembro 27, 2008

O Plano de Itararé Míriam Leitão



O Globo - 27/11/2008

O governo encomendou uma avaliação do Plano de Ação de Combate ao Desmatamento. O diagnóstico foi de que o plano deu errado em vários pontos. O governo engavetou o documento com suas conclusões incômodas: que depois de cair, o desmatamento voltou a crescer; que cresce em áreas menores e mais difíceis de detectar na medição mensal; que os assentamentos do Incra desmatam.

Como hoje metade do desmatamento ocorre em áreas abaixo de 50 hectares, o país corre o risco de ter boas notícias mensais até ter uma péssima notícia anual. Notícias de que o Deter, que mede o desmatamento parcial, registra queda do desmatamento, mas que, quando vier o número anual, ele será negativo. Aliás, o número anual já deveria ter sido divulgado. Vai sair nos próximos dias.

A idéia do plano, lançado em 2003, era ambicioso: fazer 13 ministérios trabalharem na mesma direção. Por isso se falava tanto na palavra "transversalidade". O relatório constata que os ministérios pouco avançaram na sua parte do projeto e a maioria criou mais problemas que soluções. Hoje haverá uma reunião da Casa Civil com ONGs ambientais, mas o documento não será apresentado.

O relatório avalia que o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) avançou em alguns pontos de 2004 para cá, mas tem vários problemas. O maior avanço foi a tão alardeada queda do desmatamento. Como se sabe, caiu 59% de 2004 até 2007 - de 27 mil km² para 11,2 mil km². Esta curva, que estava descendente, voltou a crescer. O problema é que, neste ano, o governo não divulgou os dados, que saem tradicionalmente em agosto. A tendência, que o próprio documento alerta, é de alta no desmatamento.

- Os dados do Prodes devem ser divulgados em dezembro. Os indicativos de aumento no desmatamento começaram a aparecer em dezembro do ano passado, quando foram detectados números de desmatamento maiores que em dezembro de 2006 - diz o coordenador de pesquisas do Greenpeace, Marcelo Marquesini.

O relatório sobre o PPCDAM deveria ter saído antes, no fim de 2007, mas só ficou pronto em junho. A reunião de hoje na Casa Civil vai tratar exatamente da revisão do plano. Amanhã tem nova reunião, com as secretarias de Meio Ambiente dos estados da Amazônia.

- O governo não quer mostrar que muita coisa não funcionou. A coordenação do plano está na Casa Civil, mas a ministra Dilma só pensa em PAC. Além disso, alguns ministérios não incorporaram as ações ou jogam contra o plano. Na internet, o site do plano tem dados atualizados até 2005 e só alguns ministérios colocaram informações de 2007 - conta Marquesini.

O documento afirma que não há ações de fiscalização integradas entre os ministérios que compõem o plano e que não houve campanhas continuadas de conscientização de moradores e produtores locais para reduzir o desmatamento e para o desenvolvimento sustentável. O relatório lembra que não existe um monitoramento do governo em relação ao cumprimento dos compromissos ambientais pelos produtores rurais e faz relação entre a concessão de crédito rural e ampliação do desmatamento.

Um assunto que virou polêmica no governo está esclarecido lá: os assentamentos do Incra desmatam. Entre outros dados: quase a metade dos assentamentos criados com 50% ou mais de cobertura florestal têm hoje menos de 20%.

O relatório constata tudo aquilo que tem sido denunciado: dificuldades de pólos de atividades sustentáveis, como na área siderúrgica. Continua havendo desmatamento para fornecer carvão para esse setor. Uma parte do carvão sai dos assentamentos.

No eixo de "Monitoramento e Controle", o governo aplicou mais multas, mas não conseguiu criar mecanismos efetivos para receber o pagamento das multas e nem apreender equipamentos irregulares. E na questão do "Ordenamento Territorial e Fundiário", muitas Unidades de Conservação não saíram do papel.

- Criaram as áreas, mas o governo não implantou as unidades e, agora, há problemas de invasão e de retirada de madeiras. Além disso, nos assentamentos, não são fornecidas informações técnicas sobre como cuidar da floresta. E no ordenamento fundiário, do jeito que vai, ainda vai levar de 20 a 30 anos para ver quem é dono do quê na Amazônia.

O documento traça, ainda, a cultura ambiental dos ministérios que participam do plano. Transportes e Minas e Energia são os com pior desempenho, e Agricultura tem reservas. Ministérios da Justiça e de Ciência e Tecnologia são os mais bem avaliados.

Escrito antes da atual crise, que derrubou os preços das commodities, o relatório alerta para o risco de os preços atrativos das matérias-primas incentivarem o desmatamento, com base nos estudos já feitos e que mostram que, quando o preço sobe e o financiamento cresce, o desmatamento aumenta. O risco agora é outro. A crise pode ser o pretexto para que mais uma vez se conceda crédito aos produtores que não cumprem as exigências ambientais. A proteção da Amazônia ficaria, de novo, em segundo plano