quinta-feira, novembro 27, 2008

Não é 1929: Carlos Alberto Sandemberg


O Globo - 27/11/2008

As comparações da crise atual, nos EUA, com a Grande Depressão de 1929 são tão freqüentes quanto as comparações entre o New Deal de Franklin Roosevelt e os planos de Barack Obama.

Fazem sentido?

No que se refere à crise, a resposta é não, escreve o economista Daniel Gross, colunista de "Newsweek" e Slate, revista eletrônica. Em comum, as duas situações têm a mesma origem, uma crise financeira, e a mesma conseqüência, uma redução no consumo. Mas as circunstâncias são de tal modo diferentes que 2008 parece coisa leve diante de 1929 e anos seguintes.

Eis os principais pontos:

- Em 1933, quando Roosevelt assumiu, quatro mil bancos comerciais tinham ido à falência, destruindo as poupanças de seus clientes; hoje, até agora, apenas 19 bancos quebraram, mas a maioria dos clientes teve seu dinheiro protegido pelos seguros de depósitos;

- em 1929, a recessão começou em agosto e durou espantosos 43 meses; em 2008, começou no terceiro trimestre e, pelas previsões do FED e dos economistas, termina em junho de 2009;

- em 1929/33, o desemprego foi a 25%, a renda nacional caiu pela metade, e não havia seguridade social; agora, a pior previsão do Fed é de um desemprego chegando a 7,6% em 2009, com seguro desemprego, e a economia encolhendo 1%;

- em 1929, o então secretário do Tesouro, Andrew Mellon, dizia que a falência de trabalhadores, investidores, fazendeiros e proprietários teria o efeito positivo de fazer com que as pessoas "trabalhassem duro, com mais valores morais"; agora, as autoridades estão fazendo de tudo e gastando um monte de dinheiro público para resgatar pessoas e negócios;

- em 1929/33, o Federal Reserve, surpreendido, elevou juros e apertou a política monetária; hoje, o Fed, dirigido por um especialista na Grande Depressão, reduziu os juros agressivamente e injetou centenas de bilhões de dólares no sistema financeiro;

- em 1930, as outras maiores economias do mundo, URSS, Japão e Alemanha, eram dirigidas por inimigos dos EUA e do capitalismo; hoje, as maiores economias e os emergentes, no G-20, estão todos no capitalismo e coordenando esforços para superar a crise.

- depois da quebra de 1929, os EUA (e o mundo) esperaram mais de três anos para a eleição e posse de Roosevelt, ficando todo esse período sob a liderança de um presidente fraco e inerte, Herbert Hoover; hoje, a espera é de dois meses, o governo Bush está agindo e Obama assume a liderança;

Claro que o ponto fraco desse argumento está na avaliação da crise atual. Estamos no terreno das previsões - e previsões em economia, neste momento, valem tanto quanto ações.

Seria a previsão do Fed - de que a recessão cessa em meados de 2009 - excessivamente otimista ou, como diria o presidente Lula, apenas uma conversa de médico para animar um paciente condenado? Olhando bem, entretanto, não se trata de aposta. Há políticas em andamento e outras sendo preparadas pela equipe de Obama, numa direção conhecida. Qual é o problema? A falta de crédito e de confiança.

Pois o governo atual e o futuro coincidem na receita: canalizar trilhões de dólares para o mercado de crédito. Estão colocando dinheiro - e são 200 bilhões de dólares - até para esquentar os cartões de crédito!

A confiança ainda é baixa, mas Obama pode ser aí um fator importante, se o seu programa de geração de empregos parecer crível.

Aqui está, certamente, a grande diferença: a compreensão do problema e a ação forte no mundo. Só nesta semana, tivemos o pacote americano, o europeu e a redução dos juros na China.

Não é possível que esses trilhões de dólares não reanimem ao menos parte do organismo econômico.

Por outro lado, pode-se colocar em dúvida o efeito fiscal dessas políticas: o governo americano está simplesmente cavando um déficit monumental. Verdade, mas o mundo está disposto a financiar esse esforço. A demanda por títulos do Tesouro americano tem aumentado na medida que investidores procuram negócio seguro. E os atuais maiores detentores desses títulos - China, Japão e inclusive Brasil - não pretendem fazer nenhuma liquidação. Ou seja, os EUA têm espaço para combater a crise e cuidar do déficit depois, como aliás disse Obama.

É o outro ponto desta crise: não é interesse de ninguém quebrar o outro.

Resumo da ópera: pode até não dar certo, mas ninguém está parado. O mundo está fazendo um esforço enorme para limitar e abreviar a recessão.