domingo, novembro 30, 2008

MERVAL PEREIRA - Vácuo de poder

NOVA YORK. A crise econômica, que dá sinais a cada dia mais explícitos de que os próximos anos serão muito difíceis, está trazendo para o governo americano um problema que só se sentiu na Grande Depressão, iniciada em 1929: a sensação de demora na transição de poder, que causa um vácuo decisório inaceitável nesses momentos. Ainda mais que esta é a primeira troca partidária na Casa Branca em tempos de guerra desde 1968, quando o então presidente democrata Lyndon Johnson foi substituído pelo republicano Richard Nixon com a Guerra do Vietnã em andamento.

A eleição presidencial americana é tradicionalmente realizada na primeira terçafeira depois da primeira segunda-feira do mês de novembro, mas a posse tem dia fixo: 20 de janeiro, o que dá uma margem de tempo que parece interminável para a posse da nova administração.

No caso atual, em que a eleição se realizou no dia 4, ela está separada da posse por exatos 78 dias.

Um detalhe torna ainda mais complexa essa tradição: entre a eleição e a posse, há a reunião do Colégio Eleitoral que formalizará a eleição do vencedor. O Colégio Eleitoral se reúne sempre na primeira segunda-feira depois da segunda quartafeira de dezembro, mas nunca como um todo: há 51 reuniões distintas em cada um dos estados do país.

Essas datas são todas marcadas por antigas tradições, como o fim da colheita e o começo da estação das chuvas, que impediam os eleitores de se locomoverem com rapidez pelo país. Este ano as reuniões do Colégio Eleitoral acontecerão no dia 15 de dezembro.

Mesmo sendo a mais perfeita concepção do “pato manco”, como o jargão político americano define um presidente em fim de mandato sem condições de eleger seu sucessor, o presidente George W. Bush está sendo exigido pelas circunstâncias a tomar atitudes que repercutirão no próximo governo, e por isso está havendo uma incomum comunicação entre as autoridades do governo que sai e as do que entrará para acertarem as medidas a serem tomadas.

O presidente eleito Barack Obama começou seu período de transição tentando evitar se envolver nas soluções para a crise econômica, afirmando que o país tinha apenas um presidente de cada vez. Provavelmente pensava repetir o que uma de suas referências históricas, o presidente Franklin Delano Roosevelt, fez ao ser eleito pela primeira vez em 1933, em meio à mais séria crise econômica já vivida pelos Estados Unidos.

A crise começara em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York, pouco menos de um ano depois da eleição do republicano Herbert Hoover, em novembro de 1928. Roosevelt foi eleito em novembro de 1932, mas, naquela época, a posse era mais tarde ainda, a 4 de março, uma tradição que vinha desde John Adams, o segundo presidente americano.

Em janeiro e fevereiro de 1933, os bancos americanos começaram a falir em massa e os encontros entre o presidente eleito Roosevelt e o “pato manco” Herbert Hoover não surtiam efeito, já que os democratas culpavam os republicanos pela crise e Roosevelt entrou propositalmente “de recesso”, sem falar sobre planos futuros.

A situação de vácuo de poder foi tão grave, que o próprio Roosevelt antecipou sua posse para janeiro quando foi reeleito pela primeira vez, em 1937, reduzindo assim o prazo de transição. Seria eleito mais duas vezes, e por causa dele a reeleição ficou limitada na Constituição americana, mas a data de 20 de janeiro tronou-se tradicional.

Nos momentos de calmaria, ninguém se deu conta da demora dessa transição. Tanto que o então presidente eleito Bill Clinton só escolheu os primeiros membros de seu gabinete no início de dezembro de 1992, pouco antes da posse em janeiro de 1993.

Já Barack Obama teve que antecipar suas escolhas para tranqüilizar os mercados financeiros e dar uma tendência de atuação a partir dos nomes indicados.

Mais que isso, ao indicar o atual presidente do Banco Central de Nova York para futuro Secretário do Tesouro, ele não apenas escolheu um técnico que já está no centro das decisões mais importantes desde que a crise explodiu, em meados de setembro passado, como colocou um alto representante de seu futuro governo dando as ordens ainda no governo de seu antecessor, uma situação para lá de delicada, mas necessária nesse momento de crise.

O atual Secretário do Tesouro, Henry Paulson, tem consultado Timothy Geithner para tomar decisões como a de salvar o Citigroup, e se ele já estivesse escolhido na ocasião, certamente sua opinião de que não deveriam deixar quebrar o banco Lehman Brothers seria levada em conta, evitando um dos grandes erros cometidos pela atual administração econômica.

A transição é tão delicada que já se debateram na imprensa americana duas medidas que não serão tomadas, mas que são reveladoras das preocupações.

Houve quem sugerisse que a posse do novo presidente fosse antecipada novamente, agora para dezembro.

Ou então que o presidente Bush nomeasse já Tim Geithner para a Secretária de Tesouro em lugar de Paulson, para que as medidas necessárias não tivessem interrupção.

Houve até mesmo propostas mais radicais, como a da renúncia de Bush para que Obama pudesse assumir logo a presidência.

Seria trazer para os Estados Unidos uma solução já adotada abaixo do Equador, quando o presidente argentino Raul Alfonsín, devido aos graves problemas econômicos, com uma inflação anual superior a 3000%, renunciou à presidência cinco meses antes que seu mandato terminasse para que Carlos Menem assumisse em 1989.

Sem dúvida seria um fim mais melancólico ainda para o Presidente George W. Bush, considerado o mais impopular da história dos Estados Unidos, com níveis de desaprovação que quase chegam aos 70%. Mas seria também uma desmoralização para a democracia americana.