sábado, novembro 01, 2008

Crise O que esperar do Natal e de 2009

Enquanto isso, na vida real...

Como os brasileiros estão reagindo à crise
externa e à ameaça de um ano difícil em 2009


Lucila Soares

Oscar Cabral

Alexandre Malheiros
Profissão: vendedor de automóveis
Cidade: Rio de Janeiro
Perspectiva para o Natal: a queda nas vendas provocou uma diminuição de 30% no seu salário, que depende de comissões. Com isso, os gastos para o Natal foram replanejados. "Meu filho, que tem 8 anos, pediu um helicóptero de controle remoto. Mas desta vez terá de se contentar com um presente mais barato", diz.
Perspectiva para 2009: "Espero que a especulação e o medo do consumidor diminuam e as vendas voltem a crescer".


Setor automotivo: a retração na demanda já foi sentida nas concessionárias e também nas montadoras. A venda de carros em outubro caiu 3,5% em relação ao mesmo período do ano anterior. O mês foi particularmente ruim para a indústria automobilística, que diminuiu em 12% suas vendas na comparação com setembro. Um susto para o mercado, que dobrou de tamanho nos últimos cinco anos. As empresas decidiram reduzir a produção. A GM deu dez dias de férias coletivas a mais de 7 000 funcionários em outubro. A Fiat fez o mesmo para 12% de seu efetivo, e, neste mês, a Volkswagen vai diminuir o ritmo de produção na sua unidade de São José dos Pinhais, no Paraná, por vinte dias, dando férias coletivas a metade dos funcionários. Conseqüentemente, as fornecedoras de peças da VW na cidade darão férias pelo mesmo período. Para 2009, tudo depende da normalização do crédito.


Um mês e meio depois da fatídica segunda-feira em que o Tesouro americano deixou o Lehman Brothers quebrar, o mundo começou a respirar a esperança de que o pior já passou. Os mercados reagiram com altas expressivas ao corte de juros nos Estados Unidos e à expectativa de que o banco central europeu faça o mesmo na semana que vem. No Brasil, o Banco Central continuou tomando medidas adequadas para normalizar a oferta de crédito e segurar a cotação do dólar. Na quarta-feira, seu Comitê de Política Monetária (Copom) interrompeu o movimento de alta nos juros, mantendo a taxa básica em 13,75%. No meio da semana, veio dos EUA um sinal também positivo. O Brasil foi incluído pelo Fed, o banco central dos Estados Unidos, entre os quatro países emergentes (os outros são Cingapura, Coréia do Sul e México) que terão acesso a operações de troca de moeda local por dólares (swap, em inglês). Ela é uma linha de crédito sem precondições de 30 bilhões de dólares. Para o economista Carlos Langoni, do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas, essa é uma chancela até mais significativa do que o grau de investimento, conquistado em abril. Diz Langoni: "Ninguém vai fazer um swap sem garantias e condicionalidades, a não ser com países em que se confia inteiramente".

Estão, portanto, todos aí os sinais de que a fase de pânico da crise chegou, se não ao fim, pelo menos ao começo do fim. A questão agora é saber qual será o poder amenizador das medidas tomadas pelos governos sobre o que costuma ser o desfecho natural das hecatombes de crédito: a recessão. Esse fenômeno é o arrefecimento da atividade econômica, que se traduz para as pessoas na forma de diminuição de renda, de qualidade de vida e, no limite, de desemprego. A questão pode ser resumida assim: as crises são globais, mas os problemas que elas trazem são pessoais. Eles serão sentidos em 2009. Felizmente, desta vez, os brasileiros têm boas chances de ser os últimos a sofrer e os primeiros a sair do inferno astral. No Brasil, nem os mais pessimistas falam abertamente em recessão. É consenso que 2009 será um ano mais difícil do que 2008, com um crescimento do PIB de 2,5% a 3%. Para quem sonhava de olhos abertos com crescimento acima de 5%, é uma pisada no freio. Ela já começa a ser sentida. O setor automobilístico e alguns fabricantes de eletrônicos deram férias coletivas a seus empregados para reduzir a produção e não entrar em 2009 com estoques muito elevados.

Na sexta-feira, a Vale anunciou um corte imediato de 10% – ou 30 milhões de toneladas na produção de minério de ferro. A decisão da Vale, que é a maior do mundo nesse setor, tem razões logísticas, como a falta de espaço para estocagem do minério não imediatamente comercializado. Tem também motivações de preço um pouco parecidas com as dos produtores de petróleo – que recomendam não inundar o mercado em períodos de escassez de demanda para preservar o preço futuro. Mas é inegável que a empresa está prevendo uma diminuição das compras de minério. Os analistas enxergam a demanda por minério de ferro como um indicador razoavelmente exato da atividade econômica global, em especial nos países emergentes. Portanto, não é de todo errado imaginar que em 2009 os emergentes devam desacelerar a economia.

Rafael Andrade/Folha Imagem
A VALE REAGE À CRISE
Agnelli, o presidente: corte de 10% da produção


As empresas que, como a Vale, dependem do mercado externo estão revendo, para baixo, seus planos. No caso da agroindústria brasileira, a perspectiva de redução no consumo mundial já teve um primeiro efeito preocupante. Nesse setor, é de praxe que o importador estrangeiro financie a produção – por exemplo, de soja – toda ou em parte. Até agora, não tem sido possível encontrar financiadores estrangeiros para o plantio de soja e outros grãos exportáveis. Com menos dinheiro, os produtores plantarão menos. Um problema adicional é que, ao contrário do que acontece com a produção de minério ou a fabricação de automóveis, atividades que podem ser retomadas quando a situação melhorar, o plantio tem hora certa para ser feito. A natureza não pode esperar. Portanto, parece ser inevitável uma redução significativa na safra agrícola brasileira de 2009.

Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas feita em sete capitais brasileiras mostra que 30,6% dos consumidores acham que a situação econômica tende a piorar. Em setembro, esse índice era de apenas 13,1%. A conseqüência dessa visão sombria é uma retração das compras baseada em uma causa puramente psicológica, já que não falta crédito para o consumo nem há alta de preços. A batalha contra a recessão é travada principalmente no varejo. Por essa razão, é interessante observar o que se passa no caso das Lojas Cem, que tem 170 filiais em São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A empresa esperava fechar o ano com crescimento de 15%, mas reduziu essa projeção para 8%. É uma variação significativa sobre 2007. Ela equivale à metade do crescimento esperado. Valdemir Colleone, supervisor-geral da companhia, analisa: "O consumidor está com medo de assumir compromissos".

Como notícia ruim, a incerteza viaja rápido e é contagiante. Nessas horas, a percepção de risco é mais forte do que os indicadores reais da economia brasileira, que, vale a pena enfatizar, não se vergaram ainda sob o peso da crise externa. "Os canais de transmissão da crise para cá são múltiplos, e a insegurança é tão importante ou mais que as conseqüências concretas da escassez de crédito", diz o economista José Júlio Senna, da MCM Consultores. "As pessoas estão percebendo 2009 como um ano de risco de queda de renda, e mesmo de desemprego. É uma avaliação parcialmente subjetiva, movida pelo medo. Mas seus efeitos nada têm de abstrato."

Leo Drumond/Ag. Nitro

Márcio Paulino Neto
Profissão: diretor de fábrica de ferro-gusa
Cidade: Sete Lagoas, Minas Gerais
Perspectiva para o Natal: a queda no preço do ferro-gusa provocou redução de 40% na produção de sua empresa, que colocou 170 funcionários em férias coletivas.
Perspectiva para 2009: "O novo volume de produção vai depender do tamanho da queda no preço do produto. Poderemos fazer demissões", diz.


Siderurgia: o preço do ferro-gusa, matéria-prima para a fabricação do aço, caiu pela metade no mercado internacional por causa da queda na demanda. E as vendas no mercado interno começam a sofrer o efeito da redução da produção de caminhões, ônibus, carros e motocicletas. Somente em outubro, vinte fornos de ferro-gusa foram desligados em Minas Gerais. As empresas do estado, responsáveis por 70% da produção nacional, deram férias coletivas a 11 000 funcionários, metade de sua força produtiva. Em Sete Lagoas, 700 pessoas já foram demitidas.


Oscar Cabral

Rogério Furtado
Profissão: diretor de construtora
Cidade: Rio de Janeiro
Perspectiva para o Natal: sete empreendimentos com previsão de lançamento até o fim do ano foram postergados. "Quando há incertezas pela frente, o ideal é parar para ver o que acontece", diz.
Perspectiva para 2009: "As vendas para as classes C e D não devem ser prejudicadas. A crise vai afetar principalmente os empreendimentos voltados para as classes A e B".


Construção civil: as obras que já estão em andamento não serão paralisadas, o que mantém o setor aquecido até o fim do ano. Mas novos empreendimentos estão sendo suspensos. O receio das construtoras é não ter dinheiro suficiente para concluir uma obra depois que ela for iniciada. O consumidor partilha dessa desconfiança em relação ao futuro, e está adiando a compra. As vendas da Patrimóvel, a maior imobiliária do Rio de Janeiro, caíram 50% em outubro. Para 2009, a previsão de crescimento do setor foi revista de 9% para 5%. O mesmo vale para a indústria de material de construção, que reduziu à metade sua previsão de crescimento. "A crise só deve atingir o setor a partir do segundo trimestre de 2009", diz Melvyn Fox, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção.


Leo Drumond/Ag. Nitro

José Luiz Garcia
Profissão: produtor de mudas de café
Cidade: Patrocínio, Minas Gerais
Perspectiva para o natal: teve muitos contratos cancelados devido ao medo dos agricultores de ampliar ou renovar a lavoura. Planejava vender 2 000 mudas e venderá apenas 1 000. "Ia ampliar meu plantio em 35 hectares e desisti", diz.
Perspectiva para 2009: "Eu sempre sou otimista, mas desta vez acho que a crise é séria e vai aparecer para valer no ano que vem. Essa foi só a ponta do iceberg".


Agricultura: a produção de 2008 não será afetada. Mas a de 2009, sim. Os produtos mais prejudicados são soja, algodão e café, cujo plantio é feito nos últimos meses de cada ano. Muitos agricultores não tiveram acesso ao crédito necessário para comprar sementes, adubo e herbicidas, itens cujo preço aumentou devido à desvalorização do real diante do dólar. A queda do valor das commodities contribui para a redução da área plantada. No caso da soja, cujo plantio é financiado principalmente por grandes empresas de comércio exterior, a área plantada deve ficar 5% menor em relação ao ano passado, e a produção de 2009 pode ter uma queda de até 10%. Para o algodão, a perspectiva é de redução da área no estado de Mato Grosso em 20% e da produção do ano que vem em 25%. A produção de café pode cair até 60%, quase o dobro do que se esperava antes da crise.



Petróleo
Natal: a produção não será afetada. Mas a Petrobras está revendo seu plano estratégico, cuja divulgação estava prevista para outubro e foi adiada para dezembro.
2009: novos investimentos devem ser postergados. As primeiras vítimas serão as refinarias já prometidas para o Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará, com início de construção previsto para 2014. O complexo petroquímico Comperj, no Rio de Janeiro, também sofrerá atrasos em seu cronograma. "Se o preço do barril de petróleo continuar próximo dos 70 dólares, ficará mais arriscado investir no pré-sal", diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura.

Eletrônicos e eletrodomésticos
Natal: a alta do dólar pressiona os preços de quem trabalha com muitos componentes importados. No caso dos computadores, um reajuste da ordem de 15% deve vir até o fim do ano.
2009: as empresas já esperavam vendas menores, depois de três anos de bons desempenhos. Ainda assim, as projeções estão sendo revistas para baixo e a indústria já toma medidas como férias coletivas para se ajustar.

Supermercados
Natal: produtos importados, como bacalhau, vinhos e azeite, ficarão mais caros na ceia. As compras estão sendo adiadas, na expectativa do que acontecerá com o câmbio. Em relação a 2007, mantém-se a projeção de vendas 9% maiores.
2009: espera-se um crescimento bem menor nas vendas: 3,5%.

Brinquedos
Natal: a indústria mantém a previsão de aumento de 5% nas vendas em relação a 2007. Os preços não devem sofrer alteração, pois as encomendas dos lojistas foram acertadas antes da crise.
2009: os derivados do plástico ficaram até 18% mais caros. Vai ser difícil segurar os preços. O panorama depende do que venha a acontecer na China, que inundou o Brasil com brinquedos muito baratos.

Fontes: Abrinq, Abras e Abinee

Com reportagem de Marcelo Bortoloti e Silvia Rogar