NOVA YORK. A versão Pollyana do empréstimo de US$ 30 bilhões diretamente do Fed, o banco central americano, para o Brasil é que ele significa a inclusão do país no grupo dos que possuem “economias sistemicamente importantes, além de representar reconhecimento da qualidade da política econômica”, na definição do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Na vida real, reflete a preocupação com a exposição do setor financeiro e o lado real da economia americana no Brasil. A política do Fed tem como objetivo único garantir que, se os setores corporativo e financeiro acharem que devem retirar dinheiro do Brasil para fortalecer suas posições nos Estados Unidos, possam fazê-lo sem criar nem ter problemas.
Para o economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, esse é um “rearranjo no qual o sistema financeiro e as corporações norteamericanas estão diminuindo exposição em ativos externos”. Vieira da Cunha ressalta o fato de que, entre os emergentes, apenas Coréia, Cingapura e México, além do Brasil, entraram no programa do Fed e, para ele, “é surpreendente que tenha saído, por que o Brasil é o único entre esses países que não tem uma moeda conversível”.
A explicação pode estar em que foram “medidas coordenadas” entre FMI e Fed. A ida do Brasil ao Fed faria parte do mesmo movimento de outros países que foram ao FMI. Pelo menos no caso da Coréia, há informações de que o país não aceitava o FMI e, por isso, fechou com o Fed O economista José Roberto Afonso, mesmo convencido de que o país deve fazer essa operação, que dá “um enorme poder de fogo para as autoridades monetárias ora convertidas em bombeiros para apagar o fogo nas contas externas”, acha que, se o governo brasileiro precisou pegar US$ 30 bilhões de dólares junto ao governo americano, é porque as reservas de US$ 200 bilhões não estavam sendo suficientes para enfrentar a crise. “O crédito equivale a mais de 10% das reservas”.
Os fatos da crise internacional já ensinaram ao mercado que ter reserva não significa uma blindagem total. A Coréia tinha reservas equivalentes a 26% do seu PIB e a Rússia a 42% do PIB, e os dois estão enfrentando uma crise externa muito mais grave que o Brasil, e nossas reservas equivalem a apenas 15% do PIB. Na visão de Paulo Vieira da Cunha, “a blindagem é contra um desequilíbrio interno, onde o tamanho dos ativos é proporcional ao tamanho da economia brasileira, mas não aos US$ 12 trilhões de ativos líquidos internacionais.
Nessas dimensões, apenas o Fed”.
José Roberto Afonso lembra que, além das reservas, é preciso considerar também o dinheiro externo que há no Brasil, US$ 944 bilhões em março último, e o brasileiro no exterior, equivalente a US$ 390 bilhões, incluindo os US$ 200 bilhões de reservas.
“Ou seja, liquidamente, devemos US$ 553 bilhões para o mundo, o que os economistas chamam de passivo externo líquido”.
Uma parte é investimento fixo, que ninguém desmonta e tira às pressas, como uma fábrica de automóveis; porém, Afonso lembra que “muito de nossas reservas foram formadas por aplicações financeiras de fácil mobilização: muitos estrangeiros se endividavam lá fora, onde os juros foram cada vez mais baixos e mandavam dólar para o Brasil, para comprar títulos públicos aqui, campeões mundiais de juros. Com o estouro da crise, o aplicador estrangeiro começou a ter problemas em seu país, e se prepara para fazer o caminho inverso, sair de papéis no Brasil e converter seus reais em dólares, para remeter lá para a matriz no exterior. Aí, o círculo virtuoso vai virar vicioso”.
A saída cada vez maior de dólares poderá pressionar a desvalorização mais do que já aconteceu nas últimas semanas.
Paulo Vieira da Cunha diz que esse é o “lado negativo” da globalização financeira, e reforça a idéia de que, diferentemente das demais crises internacionais, “agora a falta de confiança é no sistema financeiro internacional e na própria recessão da economia americana. O Brasil vai de enxurrada”. Ele ressalta que o Fed “não esta preocupado com o Brasil, continua preocupado com os bancos e empresas americanas, que estão fazendo todo o estrago em escala global”.
O Fed, apesar de ter dito em nota oficial que estava fazendo esses contratos de swap cambial “com economias que são fortes e bem administradas”, foi bem claro, relembra José Roberto Afonso: é uma operação com países que estão enfrentando problemas de financiamento nas contas externas.
Brasil, Coréia e México “são os três países que eram considerados por todos no mercado os que mais sofreriam de possível fuga de capitais externos”.
Ele diz que o fato político relevante é que “o Brasil foi ao dono do FMI, e os brasileiros ainda não foram avisados.
O empréstimo do dono do FMI é uma bala de canhão para o Banco Central enfrentar essa possível corrida”.
Paulo Vieira da Cunha vê claras vantagens nesse swap cambial: “As linhas externas dos bancos brasileiros ficam agora mais seguras. Embora o swap seja US$ 30 bilhões, em princípio não há limite para o Fed emitir dólares. O Banco Central não tem que entrar em mercado vendendo dólares de suas reservas, pressionando o movimento da moeda norte-americana globalmente e, ao mesmo, tempo colocando em xeque sua credibilidade de continuar atuando no futuro quando seja necessário”.
O lado ruim, ressalta José Roberto Afonso, é que, depois de os aplicadores estrangeiros terem saído, ficamos devendo para o governo americano. “Como é quando vamos pagar? O governo norteamericano vai cobrar os dólares de volta, com juros, e em que prazo? Ou foi melhor ainda, e eles fizeram um escambo, e vão aplicar as reservas americanas em reais? A segunda hipótese é a melhor para o país, mas, quando a esmola é demais, o santo desconfia”, ironiza.