Eleição municipal desfaz miragem da conversão de popularidade alheia em votos, mas não descarta papel de Lula em 2010
A CONVERSÃO da popularidade do presidente Lula em votos reais, a chamada "transferência", figurou entre os temas mais debatidos nas eleições municipais que se encerram hoje. Dizia-se que o apoio de um presidente com 64% de aprovação elegeria até um poste.
Conforme assenta a poeira, já se pode dizer que depende do poste, da cidade onde se planeja elegê-lo e da conjunção de forças locais, todas orientadas pelo horizonte de 2010. Nada em política é tão unidimensional quanto faz supor a tese da transferência.
Isso já ficara evidente no primeiro turno. Embora o PT tenha aumentado seu número de prefeituras em 40%, foram poucas as vitórias em grandes centros, como Recife e Fortaleza.
Lula sofreu reveses notáveis. Um deles foi a ultrapassagem de Gilberto Kassab (DEM) sobre a petista Marta Suplicy em São Paulo, tendência que pode confirmar-se hoje. Outro, a derrota constrangedora em Natal, campanha em que o presidente se engajou pessoalmente.
No que respeita ao segundo turno, um cruzamento de dados do Datafolha contribui para relativizar a miragem do poste ungido com popularidade. Em cinco grandes capitais onde haverá nova rodada, a influência presidencial parece restrita, a julgar pela pequena divergência entre as intenções de voto na população e aquelas de eleitores que avaliam positivamente o governo federal.
Tome-se o caso de Salvador, onde Lula tem avaliação recorde (68% de "ótimo" e "bom"). Entre os que o apóiam, 49% votarão no peemedebista João Henrique Carneiro (contra 50% no geral do eleitorado) e 46% no petista Walter Pinheiro (40% no geral).
Margens similares de variação nos cruzamentos se observam no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Já em São Paulo e Porto Alegre, as candidatas petistas galgam 14 e 15 pontos percentuais de vantagem entre os que avaliam bem o governo federal. Nestes casos, parece pesar mais na divergência a polarização entre petismo e antipetismo.
Há, portanto, muito mais fatores em operação, na decisão do voto, do que o apoio de Lula. Antes de mais nada, o panorama parece ter mais a ver com a chamada onda continuísta, de prefeitos com cofres cheios e bem-avaliados reeleitos ou elegendo prepostos. Uma bonança, agora, ameaçada pelo contágio da crise financeira global, é bom lembrar.
O que se observa nesta eleição, ao menos nas grandes capitais, é uma guerra de posições que mobiliza ministros, governadores e prefeitos de olho nos pleitos estaduais e presidencial de 2010. Seria precipitado extrair deste pleito municipal, contudo, a conclusão de que Lula não transferirá votos e popularidade para seu candidato em 2010.
O jogo é outro, noutro campo e entre equipes cuja escalação apenas começa a definir-se.