O governo tem uma lista importante de acertos nesta crise, mas errou também. Alguns erros, feios. Acertou toda vez que entrou com medidas precisas e pontuais, seja venda de reservas, seja a suspensão do IOF de investimento estrangeiro. Errou quando subestimou a crise, quando as autoridades incentivaram o consumo, ou quando tiveram idéias mirabolantes.
O Banco Central acertou quando decidiu ir ao mercado, vender reservas, oferecer linhas de dólares para as empresas exportadoras e, assim, enfrentar de frente o nó que se formou no mercado cambial. O governo errou quando propôs a compra de bancos pelos bancos públicos, e de construtoras pela Caixa Econômica. O balanço parcial tem mais acertos que erros, felizmente. Fica ainda mais claro quando se compara o Brasil com a Argentina.
O governo Kirchner está conseguindo reavivar o pânico do “corralito”. O Brasil, que teve o seu Plano Collor, o nosso corralito, há 18 anos, sabe que neste tipo de ferida é melhor nunca mais mexer. A ferida não fecha.
O erro inicial cometido aqui foi a tentativa inútil das autoridades de segurar a peneira para tapar um sol inescapável. A crise é global, e perdeu-se tempo na boba atitude de “Crise, que crise?”. Essa fase não está inteiramente superada. De vez em quando, alguns têm recaída. Felizmente, nenhum deles está no BC.
A demora em admitir a crise atrasou as medidas para revertê-la. Ainda agora, depois do forte terremoto no câmbio, no risco, nas bolsas, nos juros de mercado, autoridades incentivam as pessoas a consumir. Nem todas as pessoas podem entrar num crediário. Os juros aumentaram.
Uma reportagem de ontem, do jornalista Wallace Lara, no “Bom dia Brasil”, mostrou como um carro financiado em 60 meses ficou R$ 16.000 mais caro pela nova taxa de juros cobrada pelos revendedores.
A economia vai desacelerar, o desemprego, aumentar, e a oferta de emprego, diminuir.
O ambiente econômico será menos confortável.
As autoridades não devem alimentar o pessimismo, mas não podem incentivar comportamento inconseqüente.
Se os brasileiros seguissem esses conselhos, o país teria um agravamento da crise a curto prazo: as importações aumentariam, não apenas de produto acabado, mas também dos componentes para produção local. Como as exportações vão cair em volume e em valor, e o déficit em transações correntes está crescendo, o consumo elevado acentuaria essa tendência.
A realidade mudou, o país vai crescer menos, o ambiente estará mais hostil, os consumidores reduzirão suas compras, o governo vai arrecadar menos.
O pacote de empréstimos para as construtoras pela Caixa foi bem recebido pelo setor.
Entrevistei no “Espaço aberto”, da Globonews, os empresários Luis Simões Lopes, da Brascan, e Rogério Chor, da Ademi e da CHL. Eles disseram que financiamento de capital de giro e das operações de recebíveis é exatamente o que as empresas estavam precisando. Ao contrário da idéia, rejeitada pelas empresas, de a Caixa comprar participações ou o controle de construtoras, como está previsto na MP 443.
Rogério Chor acha que a MP passou a idéia de que a crise é maior do que parece para o setor, disse que as empresas estão bem e que o único problema é que os bancos se retraíram exatamente nas operações que, agora, a Caixa vai fazer.
— Algumas ficaram com problemas de capital de giro.
Outras terminaram as vendas, e tinham a expectativa de financiar os recebíveis, e os bancos suspenderam as operações. A Caixa fará esse papel. São créditos bons, a inadimplência é baixa, o Tesouro não correrá riscos — disse o empresário.
A operação para desfazer a crise dos derivativos cambiais começou tarde, mas foi bem feita. Não é hora de considerar esta parte da crise terminada. Ainda há empresas com grandes prejuízos para processar em seus balanços, mas houve um momento em que o governo não sabia a dimensão do problema, o dólar disparava e os boatos exageravam uma crise que já era grave.
O resultado da necessidade de zeragem dos derivativos cambiais se viu no exagero da alta do dólar. O resultado do nó dos ACCs virá mais tarde, quando a queda de exportação ficar mais visível nos números dos próximos meses. Mas os ACCs estão voltando, e as operações de derivativos sendo desmontadas. O BC atuou de forma precisa e persistente.
Uma medida por vez, mas uma atuação sem descanso.
Ficando comprovado que uma não era suficiente, aprovava outra. Fez swaps cambiais, vendeu reservas, anunciou que tinha US$ 50 bilhões para mais operações de swaps, fez leilão de reservas dirigidas aos exportadores, anunciou, ontem, novos aperfeiçoamentos nas regras para que o dólar chegue a quem deve chegar, reforçou as reservas com uma operação inédita com o Fed.
O BC foi fustigando a crise com correções na pontaria.
Usou a mesma técnica, de medidas sucessivas e aperfeiçoamentos seguidos, para dissolver problemas de liquidez que, no entanto, persistem.
A crise não acabou. Muita insensatez foi dita por quem não devia. Algumas medidas trazem a marca do oportunismo ideológico, ou do desconhecimento da dimensão do problema, mas em outras medidas o governo acertou o alvo. Que prevaleçam os instrumentos de precisão sobre as idéias exóticas.