A sensação que nós podemos ter diante da atual aflição americana só pode ser de coisa já vista. O Brasil enfrentou uma corrida contra a moeda na eleição de 1998; disparada do dólar e fuga de capitais na eleição de 2002. O México enfrentou crise parecida, a Argentina, várias vezes. Há dinâmicas semelhantes. A diferença é o potencial de estrago de cada crise.
Os fatos se repetem, tanto que uma jornalista americana me disse que, depois de ter sido correspondente na América Latina, cobre a crise americana com a vantagem de já saber qual é o próximo fato. Um deles é que os presidentes dos países afetados começam fazendo pronunciamentos no horário nobre, em cadeia nacional, para garantir que a economia está sólida. E terminam em pronunciamentos dramáticos, pedindo a união nacional para a salvação do país. Foi o que vimos em nossas crises, nas crises dos outros e vemos agora acontecer nos Estados Unidos.
Até a convocação para a reunião na Casa Branca lembrava fato vivido aqui, só que nós nos saímos melhor.
O segundo semestre de 2002 era um momento difícil.
O capital estrangeiro fugindo do país, os hoje quebrados e encurralados bancos de investimento lançavam prognósticos terminais sobre o Brasil, as incompetentes agências de risco rebaixando o país, o dólar chegou a R$ 4. O então presidente, Fernando Henrique Cardoso, chamou todos os candidatos ao Palácio do Planalto. Na véspera de recebê-los, ele me concedeu uma entrevista e explicou o motivo do convite: “Estou pedindo aos que eventualmente venham a segurar esse leme que sintam o peso do leme de um país.” Nem todos os candidatos reagiram com a mesma noção de interesse nacional, mas a atitude do que estava vencendo a eleição, o presidente Lula, foi fundamental para reduzir o nervosismo do mercado, que poderia ter efeitos concretos na economia real. Evitou-se o pior. Mesmo assim, a turbulência financeira teve seu preço; sempre tem. A economia brasileira não cresceu em 2002 e 2003 e a inflação anualizada era, em maio de 2003, 17%. Mas seria muito pior se não houvesse uma trégua na campanha para se defender o país.
O mundo viveu, desde 1995, crises pontuais, mas nada parecido com a atual.
No fim de 1994 houve a turbulência do México. Era o fim do governo Carlos Salinas, então queridinho dos mercados e depois acusado de corrupção. Durante a campanha, Luis Donaldo Colosio, candidato do PRI, foi morto. Ernesto Zedillo, o tecnocrata ministro da Fazenda, foi escolhido às pressas.
Ele assumiu no meio de uma violenta fuga de capitais no México. Esta crise provocou fuga de capital no Brasil também, no começo do governo Fernando Henrique, com o Plano Real tendo apenas alguns meses de vida.
Em julho de 1997 começaram as devastadoras crises da Ásia, em que os países da região tiveram suas políticas cambiais testadas e derrotadas pela pressão contra as moedas. Foi entrando em colapso, através da explosão do câmbio, um após outro. Depois da Rússia, que decretou moratória em agosto de 1998, em seguida toda a pressão cambial e de mercado abateu-se sobre a bola da vez, o Brasil.
E, naquele fim de 98, houve momentos dramáticos no meio da eleição. O então presidente-candidato, Fernando Henrique, tinha que exibir dois chapéus, e eles eram incompatíveis. Como candidato, negava a mudança cambial, que seria obrigado a fazer no primeiro mês do segundo mandato.
Por ser candidato, não poderia pedir temperança aos outros, seus competidores.
Houve nova crise em 2002 e, quando o país começava a se aprumar, veio o colapso econômico e político da Argentina.
Uma lei geral das crises econômicas é que há contágio em outros países.
Mas, desta vez, a crise é no centro do capitalismo, no momento da mais intensa ligação entre todos os mercados.
Uma crise nos Estados Unidos, obviamente, afeta a todos; o melhor cenário é superar as atuais incertezas diárias do mercado.
Mas isso não impedirá a recessão americana, com a lenta reorganização após o super-resgate. O Brasil poderá manter o PIB positivo, mas certamente haverá redução do ritmo. Seremos afetados de qualquer maneira. Mas o pior cenário poderia ter conseqüências catastróficas: uma crise descontrolada.
O pior defeito da proposta, como ela foi escrita originalmente e apresentada pelo secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, é o artigo que estabelece que ele não tem que responder por nenhum dos seus atos, nem diante da Justiça. Quem é que pode se colocar acima da Justiça num país democrático? Provavelmente, o que ele tenta evitar é sair do governo com uma penca de processos na Justiça.
O Proer manteve em funcionamento o sistema bancário brasileiro após a quebra, ao total, de 30 bancos, três deles gigantes. Mas rendeu a todos os membros da equipe econômica da época vários processos, que pesam sobre eles até hoje. Algumas das ações foram propostas por dirigentes petistas. A diferença entre o Proer e o sistema proposto agora é que os bancos foram fechados, os donos dos bancos perderam seu patrimônio bancário e enfrentaram a Justiça, mas os depositantes mantiveram o dinheiro depositado e poupado. O que os Estados Unidos querem fazer é o Estado comprar o ativo podre e deixar os bancos com os mesmos acionistas e controladores, mas limpos do custo dos erros cometidos pelos administradores.
O programa deles é que merece a acusação, que foi feita ao Proer, de ser uma “ajuda aos banqueiros”.