Muitos vêem o marketing político como o conjunto de técnicas de comunicação que ajudam a levar um candidato à vitória. Alguns políticos se acham especialistas nesse tipo de marketing, e se orgulham disso. Entre essas técnicas, porém, estão a dissimulação, o logro e a esperteza.
Quando as usam, esses políticos podem conseguir vitórias expressivas, mas, no longo prazo, acabam tendo um fim de carreira melancólico: amorfos, sem idéias claras, com uma base de apoio às vezes ampla, mas fragmentada em inúmeros campos, muitas vezes antagônicos.
Visão bem diferente daqueles que consideram o marketing eleitoral como um conjunto de técnicas que ajudam um candidato a tornar mais clara a sua mensagem. Se a mensagem, ao ser entendida, for aceita por parcelas majoritárias da população, o sucesso do candidato será enorme. Pode ser que seja eleito, mas pode ser que apenas se mantenha como uma força política, expressiva ou não. Políticos que vêem o marketing assim sempre se manterão íntegros, com idéias claras e coerentes, com uma base de apoio coesa. Com alguma persistência, podem acabar tornando-se majoritários.
Por exemplo, hoje há quem pense que aqueles que defendem a remoção de favelas jamais terão o voto dos favelados.
O marketing político bem feito de um candidato sincero, porém, pode, um dia, mostrar aos favelados que os primeiros beneficiários serão eles, que deixarão de morar em condições subumanas, mudando-se para bairros com transporte rápido e barato.
Neste período eleitoral, vale a pena refletir sobre isso. Alguns políticos, Brasil afora, elegem-se como defensores da lei e da ordem, mas, no meio do caminho, ambicionando novos postos, acabam por agregar a essa mensagem o seu oposto: deixam que as vans ilegais proliferem, fazem vista grossa ao comércio ambulante, passam a ver o crescimento de favelas como um dado natural e, talvez, bemvindo.
Querem falar a todos os públicos, numa linguagem que acaba esquizofrênica.
A coisa geralmente acontece assim: elegem-se prometendo ordem e obtêm êxito, uma grande parte do eleitorado lhe dá apoio, mas não todo, não há unanimidade. Num segundo momento, ao tentar um posto acima, é derrotado, porque, na crença dele, faltam-lhe os votos das áreas mais pobres, aquelas que ele acredita que não querem a lei e a ordem porque são pobres, uma suposição abjeta.
Num terceiro momento, olhando para o mapa eleitoral, e ainda com vôos mais altos na cabeça, passam a prometer coisas antagônicas para diferentes partes do eleitorado. A suposição é de que isso fará dele um campeão de votos. E, na primeira tentativa, pode até fazer. Mas o fracasso estará ali adiante. Incapaz de servir a demandas tão díspares, as críticas começam a surgir de todos os lados, o desgaste é enorme e o que antes era um político forte passa a se comportar como um político amargurado. Tudo isso apesar de todo o conhecimento que achava que tinha das técnicas de marketing eleitoral.
Há também o caso de políticos que praticam a vida inteira o marketing correto, com êxito, transformando-se numa força eleitoral potente, mas sem obter a vitória tão esperada. Em dado momento, flexibilizam o discurso, aparentando acolher sinceramente pontos programáticos que antes rejeitavam como anátema. Com o recuo, obtêm êxito eleitoral, mas, ao chegar ao poder, verifica-se que não houve recuo algum, mas apenas a adesão ao mau marketing político. Se antes defendiam a moralidade como se tivessem o monopólio dela, ao chegar ao poder vêem-se rodeados de escândalos e, diante deles, saem-se com a desculpa de que todo mundo erra. Condenam a vida inteira alianças espúrias, mas, no governo, aliam-se, sem constrangimento aparente, aos que antes abominavam. Também neste caso, o futuro nunca é acolhedor: apesar de uma popularidade persistente quando estão no poder, fora dele a História costuma julgá-los com rigor.
Porque a democracia nunca falha, e os erros deixam marcas e rastros.
Sei, essa frase pode parecer otimista, e haverá sempre quem diga que é justamente a democracia que permite que fenômenos como esses aconteçam.
É uma visão equivocada. Quando há democracia, ela não falha, e este é o nosso caso: figuras assim, aqui, acabam despidas. Sei que há aqueles que citam sempre Hitler como prova de que a democracia, às vezes, falha e cria monstros. Não cria. Hitler chegou ao poder não porque tenha vencido uma eleição (em nenhum pleito o Partido Nazista recebeu a maioria absoluta dos votos), mas em decorrência de conchavos entre líderes políticos que se achavam mais espertos do que ele. No primeiro gabinete que chefiou, além de Hitler, só havia mais dois ministros nazistas. Menos de um mês depois, houve o incêndio do Reichstag (forjado, ao que tudo indica, pelos próprios nazistas), e Hitler arrancou do presidente Hindenburg um decreto lhe dando poderes ditatoriais. Em seguida, fez o Congresso aprovar uma lei que dava a ele todos os poderes legislativos.
Ora, aí está o “x” da questão.
Uma democracia que dá ao presidente o poder de baixar um decreto como aquele e ao Congresso a possibilidade de abdicar de suas próprias obrigações em favor do Executivo pode ser chamada de democracia? Não pode, este é o ponto.
Uma democracia verdadeira contém em si todos os elementos para salvaguardá-la. A democracia não é o sistema político em que todas as tendências políticas disputam; a democracia é aquele sistema em que têm licença para disputar apenas aqueles que não pretendem suprimi-la.
O marketing político entendido como o conjunto de técnicas que ajudam a ganhar eleições, numa democracia de fachada , pode levar a situações funestas, como o nazismo. Numa democracia como a nossa, acaba levando apenas à desmoralização daqueles que o praticam. Basta esperar.