sábado, maio 24, 2008

Vida após a extinção


Cientistas ativam trecho de DNA do tigre-da-tasmânia, 
espécie já desaparecida


Paula Neiva

Fotos Torsten Lackwood/AFP
O tigre-da-tasmânia empalhado (no alto) e os últimos exemplares em cativeiro: primo do canguru e do gambá

A possibilidade de trazer de volta à Terra espécies já extintas é um exercício teórico freqüente entre os geneticistas. Essa proeza seria possível caso se conseguisse ter em mãos o código genético do animal – como ocorre no filme Jurassic Park, de Steven Spielberg. Na semana passada, um time de cientistas australianos e americanos anunciou um feito inédito que, mesmo de forma remota, aponta nessa direção. Eles deram vida a um fragmento de DNA do tigre-da-tasmânia, um animal nativo da Austrália e da Nova Guiné que desapareceu no início do século passado, vítima da caça predatória. Para isso, usaram o organismo de um camundongo como hospedeiro do DNA. Vários estudos anteriores já haviam investigado o funcionamento de genes de animais extintos, por meio de trechos de DNA recolhidos em fósseis. Em julho do ano passado, a descoberta na Sibéria de um fóssil de mamute com 10.000 anos, em excelente estado de conservação, reacendeu as esperanças de recriar esse parente do elefante. Até hoje, estudos desse tipo conseguiram, no máximo, a recriação do funcionamento dos genes em laboratório, e não em seres vivos. O tigre-da-tasmânia, também chamado de tilacino, era um marsupial carnívoro. Como no caso do canguru, do coala e do gambá, a fase final da gestação de seus filhotes dava-se dentro de uma bolsa na qual ficam os mamilos da mãe.

"A maior contribuição de nossa pesquisa é mostrar que o funcionamento de genomas que não existem mais ainda pode ser estudado por meio de animais vivos", disse a VEJA Richard Behringer, professor da Universidade do Texas e um dos autores da pesquisa. Ao decifrar funções de genomas extintos, a nova técnica desenvolvida por americanos e australianos poderá apontar diferenças mínimas, mas importantes, entre o funcionamento deles e o de espécies ainda vivas. O novo estudo usou amostras de DNA de um tigre-da-tasmânia empalhado, pertencente ao acervo do museu Victoria, de Melbourne, e de três bebês da espécie conservados em álcool há 100 anos. Os pesquisadores separaram um fragmento do DNA associado ao controle da produção de cartilagem e colágeno. No laboratório, esse pedacinho de genoma foi unido a um pequeno fragmento de DNA humano, cuja função foi promover a ativação de genes, e a um marcador, que serviria para verificar o sucesso da experiência. Logo depois, esse material feito de retalhos genéticos foi introduzido num óvulo de camundongo, a partir do qual se desenvolveu um embrião. Amostras retiradas do embrião apontaram a presença do marcador, o que prova que o material genético do tigre-da-tasmânia foi ativado.

A maioria dos cientistas avalia que, por algum tempo, o sonho de trazer de volta animais que já desapareceram da face da Terra ficará restrito à ficção científica. "Apesar dos avanços nas técnicas de manipulação genética, ainda existem dificuldades práticas insuperáveis para recriar um animal extinto", diz a bioquímica Marimélia Porcionatto, da Universidade Federal de São Paulo. A principal dificuldade é encontrar células que tenham preservado em seu interior o código genético inteiro do animal. O tempo é implacável com o DNA, que se deteriora rapidamente após a morte. Além disso, as amostras de genoma que os pesquisadores encontram nos fósseis e nos exemplares guardados desses animais estão quase sempre contaminadas por microrganismos ou fragmentadas. É como se os geneticistas tivessem de montar um enorme quebra-cabeça em que várias peças tivessem desaparecido. Mesmo assim, os cientistas não desistem. Há dez anos o biólogo Don Colgan, do Museu Australiano, tenta clonar o tigre-da-tasmânia. Ele já conseguiu reproduzir milhões de cópias de fragmentos do DNA do animal, mas reconhece que ainda está longe de atingir seu objetivo. Em teoria, o processo para a criação de clones de animais extintos não seria muito diferente daquele mostrado no filme Jurassic Park. O genoma retirado das amostras do animal extinto substituiria o material genético do óvulo de um animal similar a ele. O embrião resultante seria colocado numa mãe de aluguel, dando origem a um clone. Por enquanto, o tigre-da-tasmânia permanecerá como peça de museu.

 

 

 
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O embrião de camundongo modificado


Fontes: Public Library of Science e o geneticista Salmo Raskin