O terceiro choque do petróleo talvez fique conhecido, daqui a alguns anos, como aquele no qual o mundo custou a acreditar. O barril estava em torno de US$ 60 em maio do ano passado.
Está acima de US$ 130 e ainda não é chamado de choque. A crise americana está longe de terminar.
Uma onda inflacionária atinge vários países. O governo deveria aumentar o foco na luta contra a inflação.A conjuntura tem muitos perigos. Risco maior é ser contaminada por esses problemas pelos erros cometidos pelo governo. O presidente tem ficado perdido entre três desejos de integrantes da sua equipe.
A ministra Dilma Rousseff gostaria de aumentar os gastos; o ministro Guido Mantega quer ajudar os exportadores com cada centavo excedente que houver; e o Banco Central quer uma elevação da meta de superávit primário caso se mantenha o excesso de arrecadação.
O fundo soberano, como foi apresentado inicialmente, nasceu dessa bola dividida.
Se for alterado agora, será também por essa bola dividida. Com um detalhe: a nova proposta pode ser pior que a primeira.
O que o ministro Guido Mantega imaginou foi que sua proposta seria entendida como um aumento implícito da meta de superávit.
Ele travaria o excesso de superávit primário, impedindo que se transformasse em gasto corrente e, com isso, constituiria um fundo soberano diferente de todos os outros porque seu objetivo seria o de financiar a internacionalização das empresas brasileiras e, ao mesmo tempo ser um fundo anticíclico.
A proposta virou um Frankenstein.
Não à toa, segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, o presidente teria considerado o modelo do fundo soberano “supercomplicado” e que talvez fosse melhor destinar o excedente ao pagamento da dívida pública. Ontem à tarde, Guido Mantega correu para desmentir a reportagem e dizer que o projeto de lei está apenas passando por uma revisão jurídica e que deverá chegar ao Planalto na próxima semana. Ele reiterou as características do fundo que já tinham sido anunciadas.
Sem dúvida, é muito estranho um país que tem déficit nominal achar que deve constituir um fundo com “excessos” de superávit primário. É também estranho que seja de poupança anticíclica e de fomento ao mesmo tempo, porque, se for para ser usado quando houver necessidade no futuro, não pode ser para incentivar empresários, pois a taxa de risco implícita é muito alta. Em poucas palavras, o fundo poderia ter prejuízo em vez de ser uma acumulação para tempos magros.
O pior é que o Tesouro compraria dólares, aumentando a oferta de reais na economia, o que alimentaria mais a inflação.
A idéia original, da qual o ministro Guido Mantega estava tentando fugir, era ainda pior: tirar parte das reservas da administração do Banco Central para fazer um fundo administrado pelo BNDES. E aumentar os gastos para que a meta fosse cumprida, mas jamais superada.
Juízo e caldo de galinha ajudariam bastante o governo neste momento. Para ter juízo, é preciso lembrar que estamos atravessando uma coleção de perigos nada desprezíveis.
Choque do petróleo, turbulência financeira nas economias desenvolvidas, inflação de alimentos. Internamente, a inflação também está aumentando.
Se o país está com aumento de arrecadação e pode terminar o ano com superávit primário além da meta, o melhor é continuar o esforço de redução da dívida.
O ex-ministro argentino Roberto Lavagna, na conversa reproduzida na coluna de ontem, fez algumas observações que servem para nós: a volta da inflação argentina, hoje em 25%, é resultado da queda do superávit fiscal de 4,5% para 2% do PIB; todos os países em desenvolvimento deveriam buscar dívidas públicas sustentáveis, em torno de 30%; a melhor forma de combater a inflação não é elevar juros — o que aprecia mais a moeda — mas elevar o superávit fiscal. A alta dos preços na Argentina já mostrou sua esperada conseqüência: a queda da popularidade da presidente Cristina Kirchner.
Inflação, disse-nos Lavagna ao fim da entrevista, “é a pior enfermidade econômica”.
É contra ela que o governo deveria usar todas as armas neste momento.
De preferência, as fiscais.
Quando a crise de crédito americana deixou de produzir números e fatos impactantes, ficou-se com a falsa impressão de que as previsões pessimistas estavam erradas por terem subestimado a capacidade de resistência da economia americana. Prejuízos de bancos, quedas de demanda por imóveis, diminuição do emprego na maior economia do mundo viraram rotina e saíram das manchetes.
Aqui, a euforia do governo foi turbinada pelo grau de investimento e pelas descobertas em série da Petrobras.
As reportagens freqüentes, em vários jornais americanos e europeus, sobre o Brasil se tornar uma nova potência petrolífera, ou de o Brasil estar finalmente realizando a promessa de “país do futuro” ajudaram a aumentar o clima de “já ganhou” no governo brasileiro.
O tempero de toda essa euforia deveria ser a conjuntura, que traz dúvidas e riscos: o terceiro choque do petróleo, a crise financeira americana, a inflação global de alimentos e a inflação brasileira subindo são riscos consideráveis.
As boas notícias vêm em boa hora, mas não podem ser entendidas como uma licença para gastar.