O caso do Rio de Janeiro, onde ex-governador do Rio Anthony Garotinho está sendo acusado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público estadual de chefiar uma “quadrilha armada”, só tem paralelo com o que aconteceu no Espírito Santo, estado que foi dominado por muitos anos por um esquema mafioso que controlava os três Poderes locais. Com a diferença de que o então governador José Ignácio era chefiado pelo presidente da Assembléia Legislativa, deputado estadual José Carlos Gratz, bicheiro e líder do crime organizado no estado. No caso atual, a Polícia Federal acusa Garotinho de dar sustentação política a um esquema criminoso implantado por seu chefe de polícia, atual deputado estadual Álvaro Lins, que teve ontem sua prisão em flagrante relaxada por seus pares da Assembléia Legislativa.
O corporativismo, nesse caso, foi ajudado pela evidente ilegalidade da prisão em flagrante. A interpretação ampla da “permanência da flagrância” nos casos de lavagem de dinheiro, na definição do porta-voz da Polícia Federal, serviu apenas para permitir que a imunidade parlamentar do acusado fosse driblada, e o ex-delegado e hoje deputado estadual fosse apresentado ao distinto público preso, numa ação midiática que, se tem a qualidade de explicitar o combate à impunidade, tem também o perigo de expor todos a uma decisão policial arbitrária.
No caso do Espírito Santo, o governador Paulo Hartung, quando foi eleito pela primeira vez em 2003, formou uma força-tarefa nacional, com forte atuação da Polícia Federal, que executou uma espécie de “operação mãos limpas” no estado.
Assim como o governador Sérgio Cabral é do PMDB, presidido no Rio pelo ex-governador Anthony Garotinho, o governador Paulo Hartung também era do PSDB quando o governo do tucano José Ignácio começou a dar demonstração de que estava enredado com o crime organizado no estado.
Inicialmente apontado como um campeão do combate à corrupção, o tucano José Ignácio foi aos poucos aderindo ao esquema montado por Gratz no estado.
Hartung rompeu com o partido ao não conseguir uma intervenção federal e hoje está no PMDB. Já Cabral, que presidiu a Assembléia Legislativa por oito anos, teve um período inicial de iniciativas de moralização da Casa e enxugamento dos gastos que o destacaram como um líder renovador.
Mas se aproximou do governador Garotinho ainda como presidente da Assembléia, a ponto de ter sido eleito senador em campanha conjunta para a eleição de Rosinha Garotinho.
Na campanha para o governo do estado em 2006, escolhido inicialmente como candidato do grupo de Garotinho, foi se distanciando politicamente sem alarde, terminando por apoiar o presidente Lula no segundo turno. Cabral, que surpreendeu pela montagem de seu governo com figuras independentes de correntes políticas tradicionais, recebeu o apoio direto de Hartung, que repatriou para o Rio seu secretário de Planejamento, Julio Bueno.
Recentemente, o governador Sérgio Cabral selou seu afastamento político do grupo de Garotinho ao romper um acordo que ele havia feito com o prefeito Cesar Maia para que o PMDB apoiasse a candidatura do Democratas para a prefeitura do Rio, em troca do apoio ao PMDB em municípios do interior.
O governador conseguiu convencer o outro elo de poder no estado, seu aliado presidente da Assembléia, deputado Jorge Picciani, a levar o PMDB a apoiar o candidato petista Alessandro Molon, num acordo político firmado com o presidente Lula. Picciani na verdade é quem controla o PMDB do Rio e era acusado por Molon de servir aos interesses da então governadora Rosinha. Considerado um político fisiológico, permanece como principal aliado político de Cabral na política local.
Esses rompimentos de acordos políticos estão levando a uma reavaliação de apoios na campanha para a prefeitura do Rio, e o caso de Garotinho terá certamente peso político específico na disputa eleitoral. Pouco antes de ser acusado pela Polícia Federal, Garotinho preparavase para se licenciar do PMDB para apoiar a candidatura do bispo Marcelo Crivella para a prefeitura do Rio, coisa que na prática já faz com a juventude do PMDB comandada por sua filha, a candidata a vereadora Clarissa Garotinho.
O candidato do PSOL à prefeitura, Chico Alencar, por sua vez, faz questão de ressaltar que Garotinho, durante sua “era” de governo de estado, incluído o quadriênio de Rosinha, teve o apoio integral de Sérgio Cabral e Jorge Picciani.
“Essa grande aliança que controla politicamente o Rio de Janeiro também foi tisnada pelo escândalo Silveirinha, cuja mulher, aliás, estava lotada no gabinete da presidência da Alerj”, ressalta Chico Alencar, referindo-se à época em que o hoje governador Sérgio Cabral presidia a Assembléia.
O economista Mauro Osório, professor da UFRJ e especialista em planejamento urbano, acredita que a denúncia contra o esquema que o ex-governador Garotinho teria montado no estado “reforça a hipótese da existência de um marco de poder específico no Rio, a ser superado”.
A idéia de marco de poder, que no caso do Rio seria o fisiologismo e a corrupção, é bem apontada por autores como Douglass North e Robert Putnam. North afirma que determinados marcos de poder favorecem o desenvolvimento, enquanto outros prejudicam.
Putnam, apropriando-se dos conceitos de North, avalia que as máfias no sul da Itália prejudicam o desenvolvimento, enquanto um maior nível de cidadania, relações horizontais e de confiança, em outras regiões da Itália, contribuem para a potencialização do desenvolvimento.
(Continua amanhã)